O publicitário que comanda a agência F/Nazca S&S, Fábio Fernandes, concedeu uma polêmica entrevista ao especializado Meios&Publicidadde, de Portugal, antes do festival de Cannes, em que antevia a vitória argentina em filmes e acabou por afirmar que, “se fosse cliente, transferia a sua conta para os argentinos”. A entrevista que está sendo comentada no meio publicitário brasileiro chegou às bancas de Lisboa na segunda quinzena de junho. Leia aqui, a íntegra dessa entrevista da série ‘Protagonista”, da Meios&Publicidade:
0 brasileiro Fábio Fernandes explica porque é que a Argentina é incontornável no panorama ibero-americano
O presidente do júri da competição de cinema e televisão critica a opção das agências portuguesas em não traduzir os anúncios que levaram ao El Sol. “Noventa por cento dos comerciais que enviaram não eram legendados. É impossível entender o que dizem, eu até sendo brasileiro não entendo”, comenta Fábio Fernandes em entrevista ao M&P.
Meios & Publicidade (M&P): À semelhança do que tem acontecido nos últimos festivais internacionais, o Brasil não saiu bem do El Sol. Tirando Cannes, porque é que o Brasil está a ter participações tão discretas nos festivais?
Fábio Fernandes (FF): O Brasil não inscreveu quase nada. O festival não está no radar dos publicitários brasileiros, talvez porque não tenha sido bem divulgado. Devo ter visto em televisão umas oito peças brasileiras, o que não tem representatividade nenhuma.
M&P: Vale a pena as agências brasileiras e portuguesas estarem no El Sol?
FF – A publicidade brasileira, imagino que a portuguesa também, passou por um estádio para ser compreensível internacionalmente. Teve de passar do português para o inglês. É necessária a tradução do conteúdo e de um conceito que não existe em inglês. Muitas coisas têm de ser explicadas. Quando o anúncio passa por tudo isto é refeito. Uma peça de publicidade brasileira vencedora em Cannes é uma sobrevivente. É a excepção. A propaganda brasileira não consegue ser representada tal como ela é em outros festivais, apenas nos de língua portuguesa. É um complicador, mas há outro. A Argentina começou a fazer publicidade de alta competição, e se se junta a Espanha num festival como este, o Brasil e Portugal para estarem aí têm de traduzir novamente. Aquilo que era para o inglês, tem agora de fazer sentido para o espanhol. Além disso, quem está a dar a estética na publicidade ibero-americana é a Argentina, que é dificilmente replicável em qualquer país onde a publicidade está muito desenvolvida. As peças de televisão da Argentina têm dois a quatro minutos. Isso influencia o conteúdo, porque em três minutos você não vai passar o tempo a falar do produto. Aí você cria uma história, uma dramaturgia para criar uma emoção.
M&P: Porque é que a dada altura o Brasil era a estrela dos festivais e não conseguiu apanhar o comboio das contas internacionais, como fez a Argentina?
FF: O Brasil não está a ser aquele que gera conteúdo para a América Latina, porque a América Latina é mais espanhola que brasileira. Qualquer coisa feita no Brasil precisaria de tradução. É mais inteligente para um anunciante que veja interesse na América Latina pensar num pólo que gera ideias em espanhol. De repente houve um boom de qualidade criativa e de produção na publicidade argentina. Se fosse cliente, punha a minha conta na Argentina. Tem a melhor produção da América Latina, tem profissionais brilhantes que fazem um trabalho muito exportável e tem um custo de produção baixíssimo, além de que falam espanhol.
M&P: Que mercados é que estão a ser prejudicados com a concentração de contas na Argentina?
FF: Todos os mercados que não são a Argentina. Mas se sou cliente, não tenho nada a ver com isso. Estamos a falar de um mercado global. Todas as outras áreas funcionam assim. O importante é a mudança do centro do mundo. No passado outros países foram muito escolhidos por outras questões, como as questões económicas, porque o anunciante tinha ali o headquarter, quase sempre havia um desejo de procurar um produto mediano em termos de qualidade. Aqui entre nós, o que se exportava antes era o pior da propaganda para que aquilo fosse uma coisa que funcionasse em todos os países. O movimento que leva algumas empresas inteligentíssimas a ir para a Argentina, e às vezes para o Brasil, é a procura da excelência criativa e de execução. Não consigo olhar para a Unilever e dizer que são loucos por irem para a Argentina, enquanto nós brasileiros estamos a ficar sem emprego. Isso não é um problema dele. É um problema meu.
M&P: Antes de vir ao festival disse numa entrevista que Portugal, tal como o México e o Chile, era um dos países emergentes no espaço ibero-americano. Pelo que viu em televisão mantém a resposta?
FF: Não. Não sei o que aconteceu com as agências portuguesas, mas 90% dos comerciais que enviaram não eram legendados. É impossível entender o que dizem, eu até sendo brasileiro não entendo.
M&P: Os conteúdos gerados pelos consumidores, uma das tendências que tem marcado a publicidade, já aparecem nos festivais de publicidade?
FF: De uma maneira literal, não. Mas a publicidade está toda a modificar-se porque o consumidor também mudou.
Rui Oliveira Marques, em San Sebastián