POR SANDRO ALVES DE FRANÇA
Não tenho acompanhado a novela Além de Tempo. Dentre outras questões, o horário em que é exibida é o maior empecilho. No entanto, tenho visto algumas cenas e estou impressionado com a qualidade estética, o trabalho da direção, e elenco, o figurino, a direção de arte, a edição e o texto: o conjunto da obra tem um acabamento primoroso e a repercussão tem sido digna de uma trama das 21hs – aliais, tem sido maior até, em alguns aspectos, que o que tem conseguido A Regra do Jogo, do tarimbado João Emanuel Carneiro.
O desempenho impressionante da obra escrita por Elisabeth Jhin se explica pelos pilares já elencados e também por outros fatores. A trama é o que se pode chamar de “novelão”. Carrega todos os elementos de um folhetim clássico e capricha no romantismo estilizado, bebendo da fonte dos clássicos da literatura.
Vi, através do GSHOW, cenas do capítulo da quarta-feira (21), que marca a transição da 1ª para a 2ª fase da novela, quando se passam mais de 100 anos e as personagens retornam em outra configuração, desta vez na época contemporânea. Esse capítulo foi um verdadeiro épico, com direito a cenas de luta de espada à beira de um penhasco, perseguição, drama romântico e melodramático. Foram, inclusive, sequências fortes para o horário das 18hs, dada a densidade e o caráter trágico.
Sim, temos uma telenovela com um enredo clássico, mas muito bem direcionado – o que faz toda a diferença. O atual momento brasileiro também ajuda a explicar o sucesso estrondoso de Além do Tempo. Com o país vivendo um crescente clima de ceticismo e desilusão pela crise política, econômica e ética, ver romantismo primorosamente retratado, numa trama redonda, bem cuidada e envolvente é um verdadeiro alento para o público.
Apesar de utilizar uma estrutura narrativa clássica, a produção tem uma proposta bem ousada, inédita na teledramaturgia: situar a história em duas épocas distintas, sendo a 1ª fase no Século XIX e a 2ª no Século XXI. As personagens se despedem e retornam na nova fase em papéis novos, mas com ligação direta com o que vivenciaram mais de um século antes, partindo da premissa de uma nova chance para corrigir os erros da vida passada.
Afora a questão místico-espiritual, há também um conceito de linguagem e abordagem muito arrojado. Pode-se definir como hipertextualidade, a reconstrução de uma narrativa em outra nova, utilizando os alicerces do enredo original e reconfigurando as personagens numa espécie de extensão, mas que é também algo novo e inédito. Foi uma aposta de risco, porque, afinal, são duas novelas distintas em uma só. Felizmente o público parece ter embarcado na proposta.
A sequência final do capítulo de hoje, “o último” da primeira etapa foi de uma beleza e um simbolismo abissais. Temos a água como elemento neutro, de transição, remetendo ao útero, ao ressurgimento através da transcendência e o fluxo da vida – e das vidas! O amor que une no sentimento e na tragédia, que por sua vez traz o mote para a etapa seguinte da trama. Impactante e graficamente muito belo.
Além do Tempo mistura tradicionalismo dramatúrgico com inovação e uma condução competente. Mostra que uma boa história emocional, quando bem contada, tem seu espaço e consegue êxito.