O artivista Mundano, criador de intervenções nos sistemas Cantareira, Guarapiranga e Alto Tietê cujas imagens rodaram o mundo, replicou sua experiência com a seca paulista na Califórnia. Durante 6 dias de setembro deste ano, ele levou uma instalação itinerante – um cacto com diversas torneiras e placas apontando os problemas e a solução – a 8 localidades onde a paisagem foi drasticamente alterada pela falta de água e mais outras simbólicas. O roteiro incluiu 8 lagos e reservatórios que são usados para abastecer as cidades e os agricultores daquele estado, que é responsável por 25% dos alimentos consumidos nos Estados Unidos, e que hoje estão em níveis críticos. O cacto de Mundano, criado a partir de canos de água reutilizados, também foi instalado na Calçada da Fama de Los Angeles, onde interagiu com os artistas que fazem cosplay de celebridades de Hollywood.
“Essa viagem mudou minha vida”, conta Mundano. “Fui em busca das semelhanças com São Paulo e acabei encontrando mais diferenças. Embora as duas localidades estejam sofrendo com a seca, aqui o contexto é outro: temos uma bacia hidrográfica invejável e ainda é possível ver um pouco de verde, nem que seja o mato brotando no solo seco da Cantareira. Lá, ao contrário, tudo está completamente seco, desértico. O chão de terra dos lagos usados no abastecimento da região está se petrificando. Apesar disso, lá não há falta de água para os cidadãos. É inacreditável que com nossos abundantes recursos hídricos isso esteja acontecendo aqui”, descreve.
O projeto de fazer uma intervenção artística na Califórnia, traçando um paralelo com São Paulo, surgiu quando Mundano, como palestrante do TED Global, foi convidado para um encontro de TED Fellows nos Estados Unidos. “Comecei a pesquisar sobre a situação da Califórnia, que está vivendo a pior seca dos últimos séculos, com níveis baixíssimos de chuva há quatro anos seguidos. Tomei conhecimento do uso da tecnologia de fraturamento hidráulico, conhecida como fracking, que faz uso maciço da água. Vi, na internet, o vídeo das Shade Balls , bolas de plástico para fazer sombra, colocadas sobre a superfície de um lago para tentar reduzir a evaporação e pensei: “não é possível jogar plástico para preservar água””, explica. “O paralelo com a situação de São Paulo, com a qual me envolvo há mais de um ano, foi imediato”, completa.
O roteiro das intervenções de Mundano na Califórnia começou pelo norte do estado, onde ele visitou o Lago Oroville, o segundo maior reservatório na região, que atende cidades como San Francisco e Los Angeles e que hoje está com apenas 30% de sua capacidade total. Depois seguiu para o sul, incluindo localidades como: Lago McClure (hoje com 9% de sua capacidade) e McSwain, Reservatórios Almaden e Guadalupe, Don Pedro, Central Valley, Los Angeles Lake (onde foram lançadas as Shade Balls para tentar conter a evaporação) ,Venice Beach, Laguna, e também na sede da Chevron, em painéis solares e trens de petróleo em Richmond e terminando com sua exposição crítica em uma galeria de arte urbana em Oakland.
“Estive dentro do sistema Cantareira. Olhei à minha volta, 360 graus, e não vi nada de água. Lá, na Califórnia, foi essa mesma sensação de que a água vai acabar – e não estou falando da água que vamos deixar para nossos filhos, mas da água que precisaremos no ano que vem. A mobilização da população é fundamental para reverter esse cenário”, alerta.
Um dos destaques foi Kern County, região produtora de óleo de xisto via fracking, com largo uso de reservas de água e impactos severos, como a contaminação das reservas existentes. Mundano também fez intervenções em Richmond, em área onde há painéis solares, e na frente da unidade local de uma das maiores multinacionais do petróleo, a Chevron. A exemplo do que o artivista já fez em São Paulo com a imagem do governador do Estado, na Califórnia ele usou a imagem da cabeça do governador Jeff Brown em uma das ações.
Nessas intervenções, o cacto recebeu sinalização sobre a solução para a crise da água, as mudanças climáticas e os problemas gerados pelo fracking: as energias renováveis. “Na Califórnia é muito comum ver painéis solares, faz parte da vida das pessoas. Lá já se fala em gerar 100% da energia por fontes renováveis, enquanto no Brasil o governo quer investir mais de 1 trilhão de reais em gás e petróleo. Aqui ainda parece que energias renováveis são algo de um futuro distante, o que não é verdade: elas já são bastante acessíveis e é com elas que podemos ter alguma chance de reverter o atual cenário”, afirma. “O que me assusta é que as mudanças do clima podem tornar essas secas mais comuns e mais fortes, o que, aliado à má gestão dos recursos naturais, pode resultar em desastres difíceis de imaginar”, alerta.