Por Mauro Santayana*
Os países, como as pessoas, precisam tomar cuidado com as suas convicções.
Convicções arraigadas, quando não nascem da informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do ódio, do preconceito e da ignorância.
Não é por acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em colocar, furiosamente, a convicção acima da razão.
Foi por ter a forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os homossexuais, eram espécimes de diferentes raças sub-humanas, que os nazistas fizeram coisas extremamente “razoáveis”, como guardar centenas, milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisoneiros em vidros de formol, esquartejar pessoas para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de crematório, ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar tatuagens e fazer móveis e abajours, em um processo que começou justamente nos tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de Nuremberg.
De tanta mentira, distorção, hipocrisia, servidas – ou melhor, impostas, cotidianamente – à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se transformado, paulatinamente, em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, que são absorvidos e disseminados como as mais sagradas verdades, e adquirem rapidamente a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente, sem checar, minimamente, sua veracidade ou sustentação.
Senão, vejamos:
Muitíssimas pessoas, no Brasil de hoje, têm convicção de que o PT quebrou o país.
Assim como têm convicção de que o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso foi um tremendo sucesso do ponto de vista econômico, certo?
Errado.
Os números oficiais do Banco Mundial provam que o PIB e a Renda per Capita em dólares recuaram no Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de Itamar Franco (de 534 para 504 bilhões e de 3.426 para 2.810 dólares), e aumentaram mais de 300% no governo do PT, de 504 bilhões para 2.4 trilhões de dólares, e de 2.810 para 11.208 dólares, entre 2002 e 2014; com o salário mínimo subindo também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período, de 88 para 308 dólares no ano passado, com um dólar nominal mais ou menos equivalente, que chegou a 4,00 reais tanto em 2002 como em 2015.
A queda atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez, a vaca para o brejo.
A maioria das pessoas – incluídos ministros do atual governo, que exageram os problemas, para vender a sua “competência” e seus projetos, muitos deles ligados, direta e indiretamente à iniciativa privada – têm convicção que o Brasil está endividado até o pescoço, certo?
Errado.
Nona economia do mundo em 2016 – éramos a décima-quarta em 2002 – o Brasil ocupa, apenas, o quadragésimo lugar entre os países mais endividados do planeta.
Temos uma Dívida Pública Bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a que tinhamos em 2002 (80%); e menor que a dos EUA (104%), Zona do Euro (Europa) (90%), Japão (220%), Alemanha (71.20%), Inglaterra (89.20%), França (96,10%), Itália (132.70%), Canadá (91.50%).
Além de possuirmos mais reservas internacionais (370 bilhões de dólares) que qualquer uma dessas nações e de não estar devendo – somos credores do FMI – um centavo para o Fundo Monetário Internacional.
E, mesmo assim, ninguém fica fazendo, nesses países que citamos, o mesmo carnaval – verdadeiro massacre – que se faz aqui, com relação à questão da dívida pública.
Uma grande pilantragem midiática que ajuda a justificar, entre outras coisas, o absurdo teto de despesas públicas proposto pelo atual governo – que não existe em nenhum país desenvolvido e irá engessar e tolher o desenvolvimento nacional nos próximos 20 anos – os juros pornográficos que a nação paga, a cada 12 meses, aos bancos, e a privatização e entrega de empresas estatais brasileiras a países estrangeiros.
Muitas pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção, no Brasil de hoje, de que o PT é um partido que é contra as Forças Armadas, bolivariano e comunista, certo?
Errado.
O PT sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro, e apoiou – a ponto de estar sendo execrado por isso – as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro – expandindo para elas o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando a indústria automobilística, triplicando a produção e as vendas de caminhões, automóveis e equipamentos agrícolas, com linhas especiais de financiamento, e fortalecendo o agronegócio injetando bilhões de reais no Plano Safra, duplicando, praticamente, a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002.
E, na área bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando e bancando, por meio da adoção da Estratégia Nacional de Defesa, o maior programa de rearmamento das Forças Armadas na história brasileira.
Nem nos governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos estratégicos como se fez nos últimos anos, como é o caso do programa de construção de 36 caças-bombardeios com a Suécia.
Ou o do submarino atômico – além de outros quatro, convencionais – como se está fazendo em Itaguaí, no Rio de Janeiro, com parceria francesa.
Ou o da construção de mais de mil blindados multipropósito Guarani, em um único contrato, com a IVECO, com design e projeto de engenheiros do Exército Brasileiro.
Ou o do maior avião já construído no Brasil, o KC-390 da EMBRAER, produzido para substituir os Hércules C-130 norte-americanos, capaz de realizar missões também múltiplas, como o transporte de paraquedistas e blindados e o reabastecimento de outras aeronaves em vôo.
Para não falar da família de radares SABER, dos novos mísseis da AVIBRAS, do programa Astros 2020, da nova família de rifles de assalto IA-2 da IMBEL, capaz de disparar 600 tiros por minuto, e de outros projetos como o do míssil ar-ar A-Darter desenvolvido por uma subsidiária da Odebrecht, com a Denel, sul-africana.
Da mesma forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, que o PT é o partido mais corrupto do Brasil, certo?
Errado.
Em ranking publicado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em 2012 – que, estranhamente, parou de publicar rankings anuais por partido depois disso – o PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM.
Na lista de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja maioria pertence ao PP, só 6 nomes são do PT, e do total de 252 candidatos impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 20 são do Partido dos Trabalhadores.
Dados que não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção, no Brasil de hoje, só existe na proporção que ocorre, porque pertence e serve, como bandeira, desde o início – na tradição golpista da UDN – à direita e à extrema direita em nosso país.
A esquerda, que costuma cair com facilidade nessa esparrela moral dos imorais, principalmente quando pretende utilizá-la, como seus adversários o fazem, como arma política, precisa tratar de outros temas, sem deixar – prudentemente – de colocar suas barbas de molho.
Como, por exemplo, o futuro do projeto nacional-desenvolvimentista brasileiro, com foco, principalmente, nas áreas social, científica, da educação, da indústria bélica, naval e de petróleo e de infraestrutura.
Ou a defesa da Democracia, do Estado de Direito e da Soberania Nacional, em tempos de risco – quase certeza, a depender do avanço da imbecilidade vigente – de inserção subalterna do país em um processo de globalização que não deixará outras opções, a não ser o fortalecimento ou a capitulação.
Tudo isso, no contexto do urgente estabelecimento de uma aliança que permita manter a estabilidade da República e evitar a vitória da Antipolítica com a ascensão do fascismo – em aliança com partidos conservadores tradicionais – à presidência da República em 2018.
É nesse país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado, por segmentos da mídia mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal vieram a público, há alguns dias, para dizer que tem “convicção” de que o ex-presidente Lula é o Chefe Supremo, o “Capo di tutti capi” da corrupção nacional, neste Brasil “casto” e “ilibado”, nunca dantes atingido – como diziam no Caso do “Mensalão”, estão lembrados? – por semelhante tsunami antiético.
Que ele, que nunca teve contas no exterior, como, digamos, Eduardo Cunha ou Maluf, teria recebido “virtualmente”, para o padrão de consumo de nossa impoluta elite, acostumada a apartamentos em Paris, Miami e Higienópolis, um modesto apartamento de 215 metros quadrados, de cooperativa – no qual nunca dormiu e do qual não sem tem notícia de escritura em seu nome.
Além de um sitiozinho mambembe, até mesmo para o gosto de nossa pseudo classe média paneleira, que também não está em seu nome.
E de uma ajuda para a guarda de seus documentos presidenciais – de inestimável valor histórico, por abarcarem oito anos de história nacional – tudo isso apresentado como a parte do leão, do “Pai”, do “Comandante”, de um suposto esquema de propina que o mesmo MPF afirma – ainda sem provas cabais – ter movimentado a extraordinária soma de 42 bilhões de reais em desvios da Petrobras (antes eram 6 bilhões, segundo “impecável” “auditoria” da “competentíssima”, jamais multada, “honestíssima”, “imparcialíssima”, consultoria norte-americana Price Watherhouse).
Cinismo por cinismo, poderíamos dizer que, na hipótese, difícil de provar, que tivesse recebido os alegados 3.7 milhões em propina pelos quais foi acusado, em um negócio de mais de 40 bilhões, Lula seria o mais “ingênuo” senão um dos mais “modestos”, políticos brasileiros, considerando-se a quantidade de empregos, negócios, projetos, obras, programas, que ajudou a proporcionar à economia nacional nos anos em que esteve à frente da Presidência da República.
E o PT, que teria pedido apenas miseráveis 5 milhões de reais para pagar contas atrasadas devidas a publicitários, em um contrato de aproximadamente 1 bilhão de dólares para a construção de duas plataformas de petróleo pela empresa do Senhor Eike Batista – um sujeito que resolveu depor “espontaneamente”, depois de ter recebido bilhões do BNDES, durante anos, em apoio às suas empresas falidas – teria sido, diante das franciscanas proporções da solicitação, de uma tacanhice digna de fazer corar outras legendas e personagens do espectro político nacional.
Ora, nos poupem.
Ninguém está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores ou o Sr Luís Inácio Lula da Silva, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo – respeitada sua condição de réu primário – na mesma proporção de seus erros.
O que nos indigna e nos tira do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a desfaçatez, a caradurice, a hipocrisia institucionalizada, com que estão tratando a verdade, a maior vítima desse atual “surto” de “convicções” brasileiro.
Não nos venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações que vão ridicularizar, pelo exagero, ausência de lógica, de proporcionalidade, razoabilidade e verossimilhança – como já mostram as matérias e editoriais dos jornais estrangeiros – o Ministério Público e o Judiciário brasileiros junto à opinião pública internacional.
Correndo o risco, seus “convictos” acusadores, de verem o tiro sair pela culatra, transformando Lula em uma espécie de símbolo, ou de herói, se for impedido de concorrer à presidência da República.
Ou em um mártir – caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão – para boa parte do planeta.
*Mauro Santayana é gaúcho, jornalista com passagens pelos principais veículos de comunicação do Brasil. Conselheiro e amigo de Tancredo Neves, foi o responsável pela articulação da campanha presidencial do então governador mineiro, em 1984, representando-o em São Paulo, o que contribuiu, em muito, para o processo de redemocratização do Brasil. Siga o jornalista no Jornal do Brasil ou em seu blog. O artigo aqui reproduzido foi originalmente publicado em Revista do Brasil.