Toda semana recebemos, por e-mail, dezenas de notas para a imprensa dando conta de que a agência X ou Y, Z ou V, J ou K, contratou um “head”, isso mesmo: head (tradução: cabeça), para as mais diferentes áreas das agências de propaganda como criação, planejamento, arte, mídia, atendimento, etc.. Então, fico imaginando como deveriam ser essas agências antes. Será que seus núcleos centrais eram comandados por mulas sem cabeças? Aquelas de histórias folclóricas de um tempo hoje distante e que ainda habitam livros relegados à poeira das bibliotecas? Será que não tinham cabeças os profissionais que antes atuavam nas agências e que conquistaram prêmios e resultados?
Confesso que quando leio esse tipo de nota para a imprensa sou tomado pelo medo. E fico me perguntando: Será que durante longo tempo eu conversei e entrevistei mulas sem cabeça sem o saber? Afinal, fui a tantas agências – em algumas cheguei até mesmo a trabalhar em planejamento estratégico e atendimento depois de ter dedicado 30 anos ao jornalismo- e cruzei pelo caminho com tantos profissionais e não me lembro, juro, de ter encontrado nenhuma mula sem cabeça, pois este seria um episódio marcante na vida de qualquer um, inesquecível.
Nem mesmo durante sete ininterruptos anos em que cobri, para o jornal O Estado de S. Paulo, o Festival Internacional de Publicidade de Cannes, hoje de Criatividade, encontrei mulas sem cabeça e nenhum dos profissionais do mercado eram “head” de coisa alguma, apenas tinham a cabeça no lugar. Eram e muitos ainda o são apenas profissionais da indústria da propaganda, alguns de criação, outros de atendimento, planejamento, mídia e rádio e tv (RTV) além de diretores, produtores e uma série de outros, entre os quais nenhuma mula sem cabeça que eu me recorde. É claro que tinha modismo, mas todos tinham cabeça.
O divertido desse uso, na maioria das vezes indevido, de expressões anglo-saxônicas é que elas nos fazem rir. Me lembra o tempo em que alguns dirigentes do mercado ficaram encantados, em Cannes, com os cargos de colegas britânicos e norte-americanos que eram vps, a abreviatura de vice-presidentes. Pronto. De volta ao Brasil, as agências que participaram dos festivais de 2001 e 2002 transformaram quase todos os seus profissionais em vice-presidentes. Até um motoqueiro que levava e buscava trabalhos de um lado para outro virou VP de Logística, uma palavra mais pomposa e completa para traduzir transporte. Ficou orgulhoso e espalhou cartão para todos os lados até o dia que deu de cara com outro VP, o ascensorista que havia virado de TIH (uma coisa estranha para definir transporte em casa, in home). Depois, no dia em que todos eram vice-presidentes e não haviam mais profissionais nas agências porque até as secretárias viraram VP de atendimento, a moda passou, caiu em desuso. Agora, a moda é ser “head”.
Bem vou ficar torcendo para que o próximo modismo seja o das mulas de fato sem cabeça, pois estas seriam uma grande novidade e também porque ainda nunca as vi de perto, cara a cara, só figurativamente em desenhos ou quando muito no magistral filme “Cabezas cortadas”, de Glauber Rocha, onde o desempenho magistral de Francisco Rabal é uma bela aula de atuação cinematográfica. Pelo visto, andaram cortando as cabeças mais do que no filme do baiano Glauber ou talvez a propaganda a tenha perdido em algum lugar e agora precise contratar “head” a torto e a direito. Vai saber!