AS ONDINAS
(Noturno de H. Heine)
Beijam as ondas a deserta praia;
Cai do luar a luz serena e pura;
Cavaleiro na areia reclinado
Sonha em hora de amor e de ventura.
As ondinas, em nívea gaze envoltas,
Deixam do vasto mar o seio enorme;
Tímidas vão, acercam-se do moço,
Olham-se e entre si murmuram: “Dorme!”
Uma — mulher enfim — curiosa palpa
De seu penacho a pluma flutuante,
Outra procura decifrar o mote
Que traz escrito o escudo rutilante.
Esta, risonha, olhos de vivo fogo,
Tira-lhe a espada límpida e lustrosa,
E, apoiando-se nela, a contemplá-la
Perde-se toda em êxtase amorosa.
Fita-lhe aquela namorados olhos,
E, após girar-lhe em torno embriagada,
Diz: “Que formoso estás, ó flor da guerra,
Quanto te eu dera por te ser amada!”
Uma, tomando a mão ao cavaleiro,
Um beijo imprime-lhe; outra, duvidosa,
Audaz por fim, a boca adormecida
Casa num beijo à boca desejosa.
Faz-se de sonso o jovem; caladinho
Finge do sono o plácido desmaio,
E deixa-se beijar pelas ondinas
Da branca lua ao doce e brando raio.
Poema do livro Crisálidas, publicado originalmente em 1864 por B.-L. Garnier, Rio de Janeiro.