Por Mauro Santayana*
Diz o velho adágio que repete, há gerações, a sabedoria popular. que quem muito se abaixa acaba mostrando as nádegas – mesmo que as calças sejam de veludo ou de um terno Giorgio Armani.
Implacável na hora de autorizar grampos ilegais, conduções coercitivas, prisões arbitrárias casuisticamente renovadas, contra suspeitos e acusados brasileiros, a justiça nacional pia fino quando se trata de enfrentar a sua congênere norte-americana, para quem muito juiz e procurador, como certos bichinhos de estimação, balança a cauda em viagens para aquele destino, com a intenção de participar de eventos sociais e badalatórios.
O útimo episódio no processo – cheio de nuances e pobre em transparência – da onipresente “cooperação” entre autoridades brasileiras e norte-americanas que, da CIA, FBI, ao Departamento de Justiça, tem marcado, de maneira cada vez mais descontrolada e informal, os últimos anos, passando descaradamente por cima da legislação que estabelece que esse tipo de relação tem que ser feita, obrigatoriamente, sob autorização, coordenação e o conhecimento do Ministério da Justiça; é o fato do acordo de “colaboração” – arrancado a fórceps do Grupo Odebrecht pela força-tarefa da Operação Lava Jato, estar dependendo, agora, para ser assinado, como informa a imprensa, apenas da palavra final das autoridades norte-americanas.
Não satisfeitos com o oferecimento das autoridades brasileiras de dividir igualmente em três partes, para Brasil, Suíça e Estados Unidos, o butim, os EUA exigem, arrogantemente, ficar com a parte do leão de uma absurda multa de 7 bilhões de reais imposta ao Grupo Odebrecht, que já demitiu mais de 200.000 trabalhadores nos últimos dois anos.
Uma “punição” que estaria voltada, indiretamente, para compensar o fato de que não foram comprovados, cabalmente, os fantásticos e também “bilionários”, supostos, desvios, que, alega-se, teriam sido feitos no âmbito do “petrolão”.
Como a Operação Lava Jato não conseguiu “recuperar” para a Petrobras mais do que 500 milhões de reais até agora, uma miserável fração dos prejuízos que acarretou na credibilidade das empresas acusadas, na sua situação creditícia, no número de milhares de demitidos e de investidores e fornecedores que quebraram, dos 6 bilhões que, alega-se, por conta de “auditoria” da Price Waterhouse Coopers, teriam sido desviados da empresa; pretende-se chegar a esse montante com multas estratosféricas, impostas às maiores empreiteiras do país, por meio de expedientes retorcidos, como a figura de “danos morais coletivos”, punindo-se, de forma mais cruel e exemplar aquela que mais resistiu a aceitar essa gigantesca pantomima, a Odebrecht, seus diretores, e seu principal executivo, preso há quase dois anos.
Isso quer dizer que estamos em uma República de Bananas.
Em que o governo anterior, por não aguentar a pressão midiática, chama uma empresa norte-americana – que ja foi multada e investigada várias vezes por irregularidades, nos EUA – para “auditar” nossa maior empresa.
Em que essa empresa de “auditoeia” norte-americana determina, em um relatório altamente subjetivo, o que teria havido, hipoteticamente, de prejuízo, em nossa maior empresa.
Em que, com base nesse suposto prejuízo e nesse suposto “relatório”, a Petrobras passa a ser processada nos EUA.
Em que, não bastando isso, tudo é feito, com a cessão, pela justiça brasileira, de “colaboradores” “voluntários” de encomenda, para que, no final do processo, os EUA e investidores norte-americanos possam colocar no bolso a maior parte dessa gigantesca fortuna, graças aos bons serviços de uma empresa norte-americana – que deve ter trabalhado desde o início com esse objetivo.
E, principalmente, de uma justiça nacional submissa, que aguarda, na pessoa do Sr. Procurador Geral da República, como no papel de uma espécie de Vice-Rei, que os norte-americanos comam seus perus do feriado de Ação de Graças e que a vontade do Império se manifeste, para que possamos determinar, finalmente, o valor do “acordo” e depois repassar, subalternamente, a maior parte da “bufunfa” para a Metrópole.
Como se os supostos “crimes” não tivessem, eventualmente, sido cometidos aqui.
Como se as “investigações”, mesmo que eivadas de problemas, distorções, arbitrariedades, não tivessem sido feitas aqui.
Como se não tivéssemos a mais reles autoridade ou jurisdição sobre o nosso próprio território ou sobre nossa – já que de outra coisa não se trata, desde o início – política interna.
Como se a empresa em questão, a Odebrecht, não tivesse crescido, ao longo de mais de 50 anos de trabalho, principalmente aqui, para depois enviar a maior parte dos frutos desse trabalho ao exterior, para beneficiar a economia de outros países.
O comportamento canino das autoridades brasileiras com relação aos EUA pode ser visto, também, em outro episódio recente, o da reação do Juiz Sérgio Moro à inquirição da defesa de Lula a propósito desse tema.
Diante de perguntas dos advogados Cristiano Martins Zanin e José Roberto Batochio, a Eduardo Leite, ex-executivo da Camargo Corrêa, sobre sua eventual colaboração com os Estados Unidos, e frente à preocupação do procurador Diogo Castor de Mattos com o rumo da conversa – a defesa estava interessada em saber até onde vai a “voluntária” cooperação de delatores brasileiros com a justiça norte-americana, com a suspeita do intermédio e da “ajuda” da própria justiça brasileira, alguns deles já soltos, lépidos e fagueiros, como o Sr. Paulo Roberto Costa, um dos poucos envolvidos apanhados com dinheiro, enquanto outros, que nunca tiveram recursos sujos em suas contas, permanecem implacavelmente presos ou condenados a vários anos – Sérgio Moro respondeu na linha do “isso não vem ao caso”, alegando que a defesa estava querendo “tumultuar” o processo, e fechando questão com um “está indeferido até porque, doutor, a relevância disso me escapa”.
Ora, onde está Wally?
Auxiliemos o honrado magistrado, para que, com a sutileza de um elefante correndo em nossa direção, em plena savana, também não nos escape essa relevância.
Não se trata apenas de saber se está havendo desobediência a tratado que impede relações “informais” com os EUA, sem acompanhamento do Ministério da Justiça, nesse processo, o que poderia anular várias de suas decisões no futuro – e ser eventualmente analisado por CPI no Congresso, criada especificamente para investigar o assunto.
O que importa, aos olhos do mundo, da verdade e da História, é saber até que ponto foi – e evidentemente continua indo – a influência e a interferência de uma potência estrangeira e de seus interesses, em uma “operação” de decisivas e incontestáveis consequências políticas, que incluem – até agora – a derrubada de uma Presidente da República; a perseguição e eventual condenação de um ex-presidente – considerados, ambos, durante anos, como inimigos por boa parte dos falcões do establishment norte-americano – e, como vemos no episódio dessa multa, o destino de uma gigantesca fortuna – que está sendo efetivamente subtraída de uma das maiores empresas brasileiras – envolvida com a construção de nosso submarino atômico e de mísseis ar-ar dos novos caças da Aeronáutica – no valor de mais de 2 bilhões de dólares.
*Mauro Santayana é gaúcho, jornalista com passagens pelos principais veículos de comunicação do Brasil. Conselheiro e amigo de Tancredo Neves, foi o responsável pela articulação da campanha presidencial do então governador mineiro, em 1984, representando-o em São Paulo, o que contribuiu, em muito, para o processo de redemocratização do Brasil. Siga o jornalista no Jornal do Brasil ou em seu blog.
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