Em ato no Rio de Janeiro, que lotou a Fundição Progresso, na Lapa (cuja capacidade é 5 mil pessoas) diversos artistas, intelectuais, sindicalistas e lideranças políticas lançaram ontem (11) o Manifesto Cultura Pela Democracia, um texto contra o impeachment da presidenta Dilma Roussef. Entre os que assinam o manifesto estão o escritor Leonardo Boff, o ator Wagner Moura e o músico Chico Buarque.
Por Akemi Nitahara/Repórter da Agência Brasil
“Da mesma forma que as artes e a cultura do nosso país se expressam em sua plena – e rica, e enriquecedora – diversidade, nós também integramos as mais diversas opções ideológicas, políticas, eleitorais. Mas nos une, acima de tudo, a defesa do bem maior: a democracia. O respeito à vontade da maioria. O respeito à diversidade de opiniões”, diz o texto. No manifesto, também foi colocado que o uso “indevido e irresponsável” do recurso do impeachment “se constitui em um golpe branco, um golpe institucional, mas sempre um golpe”.
O músico Tico Santa Cruz lembra que os atos em defesa do estado democrático de direito vem ocorrendo no Brasil inteiro e mobilizando diversos setores. “Hoje é a cultura pela democracia, é o engajamento dos artistas que acreditam que esse impeachment é uma tentativa nítida de golpe, de manipulação. A gente não vai permitir colocar a nossa democracia em risco nesse momento. É importante que as pessoas se posicionem e os artistas se posicionaram dessa maneira”.
Otimismo
O músico Fred Zero Quatro, que liderou o movimento Manguebeat em Recife na década de 1990 ao lado de Chico Science, disse que esses movimentos de rua são uma demonstração política após um período em que a juventude estava muito apolítica. “Estou mais otimista de ver que dois ou três anos atrás tinha uma galera que renegava a política e que hoje já tem uma galera vendo a importância. Não à toa, depois de um período de niilismo da juventude, se elegeu o Congresso mais retrógrado da história, e estamos vendo as consequências disso aí, com um presidente da Câmara que sequestrou um dos Poderes da república”.
A atriz Teresa Seiblitz diz que o impeachment, nesse caso, seria um golpe por não haver crime de responsabilidade nos atos da presidenta. “É um golpe com interesses escusos. Eu acho que nós, artistas, podemos dar uma visibilidade diferente do que a grande mídia tem, que eu já nem sei se é tão grande assim, já que desde 2013 aconteceu uma coisa ótima, apareceu a Mídia Ninja, cresceu a TV Brasil, vários outros canais e vozes aparecendo para que as pessoas fiquem mais informadas e possam realmente escolher o que preferem”.
Apoio do povo
O cantor e compositor Nelson Sargento, um dos ícones do samba carioca, disse que só não assinou o manifesto porque “não chegou na minha mão, senão eu assinava, claro”. Ele diz que não costumava votar, já que passou da idade obrigatória, mas “voltou a exercer esse direito”. “Eu não votava mais porque eu tenho 90 anos. Comecei a votar direto depois do Lula. Do Lula pra cá eu estou com o PT. Hoje eu vim ajudar a fazer coro: Dilma! Dilma! Só um maluco pode planejar um negócio desse”.
A sambista Beth Carvalho, que assinou o manifesto, lembrou o samba que lançou ontem contrário ao impeachment, de autoria de Cláudio Guimas. “É muito importante o apoio dos artistas, mas é muito importante o apoio do povo em geral. Nós precisamos estar nas ruas todos os dias, não deixar que isso aconteça, porque eles estão baseados em mentiras”. E cantou os versos já repetidos pelos militantes: “Não vai ter golpe de novo, reage, reage meu povo!”.
O músico Jards Macalé disse que assinou o texto para lutar “pela expressão livre e absoluta”. “Eu estou aqui porque sou um democrata, sempre fui e nesse momento tem que ser mais democrata ainda. Eu assino embaixo, pela liberdade, ética e democracia. Os artistas sempre tiveram desse lado, a arte quer dizer liberdade, lutar pela liberdade sempre”.
Processo eleitoral
Em discurso no ato, o ator e roteirista Gregório Duvivier disse que não defende o governo em si, mas a democracia do processo eleitoral. “Isso não é um ato de defesa nem de adesão de governo nenhum, muita gente aqui, como eu, não votou, não é eleitor, não é filiado ao PT. Isso aqui é um ato de defesa da democracia. Nós viemos mostrar a nossa insatisfação com tudo o que não está podendo ser feito no país hoje. Então, ao invés de dizer só ‘fica Dilma’, vamos dizer ‘fica e melhora’. Porque a Dilma foi eleita pela esquerda, porque tinha um projeto de esquerda, então vamos pedir que ela governe em nome do projeto para o qual foi eleita”.
Também no ato, o teólogo Leonardo Boff lembrou a obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, e disse que a tentativa de impedimento da presidenta é um ato dos que “sempre dominaram o nosso país”. “Eles também falam que é democracia, mas é uma democracia reduzida. Eles falam de um estado democrático não de direito, mas de privilégio. O projeto deles é voltar àquela situação em que eles usavam o estado para o seu próprio beneficio, faziam políticas pobres para os pobres e rica, muito rica, para os ricos. Essa democracia nós não queremos. Nós queremos sepultar essa democracia. Nós estamos lutando por uma democracia social, republicana, uma democracia de todos, que se abre para as questões de demandas fundamentais do nosso povo”.
O músico Chico Buarque falou apenas um minuto para o público na Fundição Progresso e reiterou o discurso feito no dia 31 de março no Largo da Carioca. “Quando eu cheguei aqui eu fiquei todo besta com vocês falando ‘Chico eu te amo’. Só que depois eu vi que vocês amam todo mundo! Mas eu quero dizer que nós também amamos vocês, amamos essa energia toda, principalmente essa juventude que está aí, e vai sair em defesa da democracia. Só isso. Não vai ter golpe”.
Após o ato de lançamento do manifesto, que teve a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as falas continuaram nos Arcos da Lapa, onde uma multidão ocupava toda a praça e esperava para ouvir os líderes sindicais e políticos, além de shows de artistas como Tico Santa Cruz, Otto, Carlinhos Vergueiro, Francis Hime e Sérgio Ricardo.