Por Mauro Santayana*
A estúpida invasão do Parlamento, com a tomada do plenário da Câmara dos Deputados por um bando de imbecis – que davam vivas ao Juiz Sérgio Moro e pediam uma “intervenção” militar – não é um absurdo isolado no crescente cerco à Democracia e às instituições nacionais.
A cerrada pressão corporativa do Judiciário e do Ministério Público sobre deputados e senadores para consolidar o controle de um grupo de plutocratas sobre a República, o Legislativo e o Executivo, e, direta e indiretamente, sobre o eleitorado e os cidadãos comuns, representa uma outra face da ascensão de um fenômeno perverso, antidemocrático e fascista – a Antipolítica.
Não interessa se o legislativo que aí está aprovou, majoritariamente, um golpe que tirou do poder um governo que, venhamos e convenhamos, havia se tornado de certa forma insustentável, por sua própria incapacidade em recusar uma agenda neoliberal recessiva – criada também para facilitar a sua derrocada – e de resistir a uma campanha tenaz, mentirosa e fascista que se desenvolvia claramente desde 2013 e que iria – só os imbecis e os ingênuos não acreditavam nisso – chegar, inexoravelmente, à derrubada da Presidente da República.
O Congresso Nacional – e nele há também aqueles que tentaram resistir bravamente a essa farsa – não é perfeito.
Mas ninguém chega ali sem voto.
E o voto reflete em boa parte a essência, a opinião, a qualidade e o que determina a população brasileira.
Tão ou mais responsáveis pela queda de Dilma, do que os deputados e senadores que votaram pelo seu impeachment foram certos grupos do Ministério Público e do Judiciário, oriundos majoritariamente de uma classe média reacionária e conservadora, que investiram tenazmente na fabricação de uma longa série de factoides, arbitrariedades e escândalos, destinados a dizimar o PT nos tribunais e – em cumplicidade com uma mídia mendaz, parcial e seletiva – junto à opinião pública.
Ou alguém acredita que, se não existisse a Operação Lava Jato, e seu deletério exemplo, com o evidente antipetismo do Juiz e de vários procuradores envolvidos com sua “força-tarefa” – mesmo com a coleção de equívocos táticos e políticos do governo anterior e de seu partido – teria se conseguido derrubar a Presidente da República?
A “Lava Jato” não apenas destruiu o país, provocando 140 bilhões de reais de prejuízo e aprofundando os efeitos da política recessiva e da crise internacional – arrebentando com as maiores empresas brasileiras e seus milhares de trabalhadores, acionistas e fornecedores – para recolher menos de dois bilhões, na verdade, apenas algumas dezenas de milhões de reais, se formos considerar dinheiro efetivamente desviado e não de “leniência”, “multas” e “bloqueios” bilionários.
Ela também representou a consolidação de uma Jurisprudência da Destruição que já vinha de antes, partidária e sabotadora, com a sucessiva paralisação, por centenas de vezes, de dezenas de grandes obras de infraestrutura e de projetos estratégicos de governos petistas, nos últimos anos, como as hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, a Refinaria Abreu e Lima e a Transposição do São Francisco, por exemplo, que tiveram entre outras consequências diretas um extraordinário aumento no preço das obras hoje atribuído quase que exclusivamente a supostos casos de corrupção.
E se apoiou no descrédito da democracia, por meio da manipulação da opinião pública, estratégia essa que é a cabeça de ponte de um movimento que pretende, de fato, diminuir o poder de representantes eleitos, para entregá-lo a um estrato privilegiado de funcionários concursados que se vêem como impolutos Cavaleiros da Justiça, e que consideram, temerariamente, que devem tutelar a República, por meio de sucessivas manobras políticas, quando não têm um reles voto e estão proibidos, por lei, de meter-se nesse contexto.
Se houvesse um mínimo de respeito à Constituição, o Movimento das 10 Medidas Contra a Corrupção teria sido coibido dede o início.
Juízes, procuradores, desembargadores, devem fazer cumprir as leis e não criar movimentos de massa, slogans e marcas e sair colhendo assinaturas para reformulá-las partidariamente – mesmo que não se trate de partido legalmente constituído – em seu próprio benefício profissional ou pessoal.
A não ser que queiram abandonar suas togas e seus confortáveis gabinetes e se candidatar ao Legislativo, disputando, no próximo pleito, com os deputados e senadores aos quais pretendem dar lições éticas, o voto e a preferência do eleitorado.
Se não fosse assim, os constituintes de 1988 teriam lhes franqueado o acesso à atividade política, quando o que fizeram, explicitamente, foi exatamente o contrário, como ocorre, aliás, na maioria dos países do mundo.
Já imaginaram se as Forças Armadas fizessem um movimento em defesa de seus próprios interesses e do aumento de quinhão de poder, de facto, no conjunto da sociedade brasileira, através de um conjunto de “10 Medidas Pró-defesa”, com soldados da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, colhendo assinaturas em bares e restaurantes?
Ou os bombeiros, ou os médicos, ou os fiscais, não interessando qual fosse o motivo, até mesmo porque de discursos demagógicos e de “boas” intenções o inferno está cheio?
Poderíamos, tranquilamente, fechar o Congresso, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, e mudar o nome deste país para República Corporativista Brasileira.
É por isso que, tanto do ponto de vista político, quanto do jurídico, os magistrados e procuradores brasileiros deveriam evitar o perigoso caminho – que estão trilhando com a cumplicidade de parte da mídia, que tambe´m aposta na judicialização e na criminalização da política e no enfraquecimento da Democracia – de tentar aumentar de forma incessante o seu poder, o seu ego e sua arrogância, no trato com a população de modo geral e, especificamente, com outras instituições da República.
Uma auditoria do Tribunal Superior do Trabalho acaba de constatar que todos os tribunais regionais descumpriram normas legais em relação a férias de juízes e desembargadores entre 2010 e 2014.
Nos casos mais graves, segundo a Folha de São Paulo, cinco TRTs pagaram a 335 magistrados o total de R$ 23,7 milhões a título de indenização, ou seja, da “venda” teoricamente ilegal – a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não prevê a possibilidade de conversão de férias não gozadas em remuneração – de descanso remunerado em troca de dinheiro.
O TRT de São Paulo lidera a lista, com 872 pagamentos irregulares a 290 magistrados, no total de R$ 21,6 milhões.
No Rio de Janeiro, em que se pretende diminuir os salários dos servidores públicos da base da administração, para fazer com que eles dividam com o governo a contribuição para a aposentadoria, um relatório sobre a folha de pagamentos de agosto deste ano informa que só seis dos 861 magistrados do estado ganham abaixo do teto constitucional de R$ 33.763, e que há desembargadores que, com os “penduricalhos”, recebem mais de 70.000 por mês.
“Apenas em dezembro de 2015, cada magistrado estadual do Paraná recebeu R$ 103,6 mil brutos, em média, de remuneração. Ao todo, o Tribunal de Justiça (TJ) gastou só no último mês do ano passado R$ 94,4 milhões com os vencimentos de juízes e desembargadores. Isso significa praticamente o triplo do que foi gasto, em média, entre os meses de fevereiro e novembro de 2015– R$ 32,2 milhões. No mês de janeiro de 2015, os gastos também foram atípicos: R$ 72,1 milhões.”
O parágrafo acima é do Jornal “Gazeta do Povo”. Por causa dessa matéria, 45 juízes do Estado do Paraná, atingidos em sua “honra”, moveram ações cruzadas contra os responsáveis pelo jornal, a ponto de a questão ter chegado ao STF, instância em que a Ministra Rosa Weber suspendeu, liminarmente, a perseguição contra a publicação e cinco profissionais de sua equipe (três jornalistas, um infografista e um webdesigner).
No Ministério Público do Paraná – assim como ocorre na maioria das unidades da Federação – a situação também não é diferente.
A diferença entre o que foi pago aos membros do órgão e o teto constitucional custou R$ 70 milhões – 74% dos R$ 94,5 milhões ganhos a mais em 2015 com a inclusão do FPE.
E no Tribunal de Justiça, os gastos com pagamentos acima do teto constitucional custaram R$ 108 milhões – 49% dos recursos.
Se o leitor acha altos esses “proventos”, que espere que incida sobre eles o aumento recentemente concedido pelo governo federal ao Judiciário em plena “crise”, que será de 47% nos próximos dois anos.
Ora, quem acusa e julga deveria ser o primeiro a dar o exemplo, não se afastando, nem por um centímetro, do que determina a lei.
A Senadora Kátia Abreu, já lembrou, há alguns dias, com toda clareza, que juiz ou procurador que recebe acima do teto também é corrupto.
É nesse contexto que, com a desculpa do combate à corrupção, o MP, apoiado por organizações ligadas ao Judiciário, pretende passar no Congresso medidas destinadas a diminuir ainda mais o espaço de defesa do réu, diante de um sistema de repressão jurídico-policial-penal dantesco, vergonhoso, na maioria dos aspectos, que está distante de qualquer nação moderna ou civilizada.
E se esforça em impedir, junto com juízes, as tentativas – em que o Congresso não faz mais do que sua obrigação – de se estabelecer limites para a ação de procuradores e magistrados, que prevejam punições mais drásticas, em caso de abuso de autoridade, que o mero afastamento remunerado de funções – na verdade um prêmio, por meio do qual o sujeito recebe sem trabalhar – e de se discutir outras questões, como os super-salários dos funcionalismo público, entre os quais se incluem os seus, dos mais altos da República.
O jornal Estado de São Paulo informa que entidades de representação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal reagiram à proposta de mudança da Lei Anticorrupção para instituir o crime de responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores, e a anistia em acordos de leniência a executivos de empresas acusadas de corrupção.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos, acusou parlamentares de usar o pacote das dez medidas anticorrupção do Ministério Público Federal (MPF) e um projeto para anistiar crimes de caixa 2, para tentar barrar a Operação Lava Jato.
Um grupo autodenominado “Magistrados Independentes” pede a cassação, por “falta de decoro”, do Presidente do Senado, Renan Calheiros, por ter criticado um juiz que tentou ilegalmente investigar o Legislativo sem autorização da Suprema Corte.
O Presidente do Senado Federal, assim como a maioria de seus pares, que espelham, como ele, a sociedade brasileira, com certeza não é santo e tem inúmeros defeitos mas não está ali por vontade divina.
Não podemos ser seletivos, como os fascistas.
Da mesma forma que Dilma representava 54 milhões de brasileiros que a elegeram, o Senador Renan Calheiros representa diretamente mais de 840.000 homens e mulheres que votaram nele.
Parafraseando Stalin, que teria indagado quantas divisões tem o Papa, perguntamos: quantos votos têm os magistrados que pretendem cassar Renan Calheiros?
Essa falta de respeito, esse manifesto desprezo pela vontade do eleitor e pelas prerrogativas individuais com relação à sociedade, também está presente, indiretamente, na declaração do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que disse que sua maior preocupação é a falta de “filtro” para quem realizará a denúncia de crime de responsabilidade contra as autoridades.
“O que o deputado está propondo é que qualquer cidadão acusado de qualquer crime, homicida, traficante, pode entrar com petição e a autoridade terá de responder”, disse , ilustrando quão longe está indo a abordagem fascista da justiça no Brasil de hoje, como se houvesse cidadãos com mais direitos que os outros, em sua presunção de inocência, e a “autoridade” em questão fosse absolutamente infalível e não tivesse que se submeter ao poder de quem vota e lhe paga os régios salários de que falamos há pouco, mesmo que, ou principalmente quando o cidadão for suspeito de qualquer crime, já que, como mero acusado, ainda não foi condenado e tem direito constitucional a ampla defesa.
Quis custodiet ipsos custodes?
“Quem guardará os guardiões? já perguntavam, sabiamente, os romanos, há quase 20 séculos, por meio de Décimo Júnio Juvenal – quanto mais poder tem um cidadão a serviço do Estado, maior controle e limites ele tem que ter, maior tem que ser a sua submissão e obediência à Lei e à comunidade que serve – pois que ele existe apenas para isso mesmo – para meramente servir aos cidadãos e não a si mesmo.
O relator da Comissão que estuda a aprovação das “10 medidas Anticorrupção” já recuou dessa missão, citando a “opinião das ruas” – que na verdade é apenas a opinião dos procuradores e juízes que foram procurá-lo na Câmara dos Deputados – com relação à imposição de limites para o abuso de autoridade com o estabelecimento de crimes de responsabilidade para juízes e procuradores.
O Congresso precisa, em nome da História e de sua própria sobrevivência como instituição, resistir à pressão corporativista de quem pretende agir como uma casta – em nada casta, aliás – que está acima da população.
Há quem esteja chamando os políticos de “os donos do mundo”.
Mas os homens públicos não são donos do mundo. Eles são donos, apenas, de seus votos, que lhes conferem poder apenas enquanto os têm, e que são obrigados a manter e a reconquistar constantemente – ao contrário dos juízes, procuradores, desembargadores – a cada novo pleito.
Pode-se criticar este ou aquele político, em livre exercício democrático.
O que não se pode é generalizar e nivelar, de forma fascista, a todos.
Ou tentar retirar ou diminuir a legitimidade do voto para voltar à máxima pelésiana – aquela de que “o brasileiro não sabe votar” – tão em voga durante a ditadura.
Se o Judiciário e o Ministério Público brasileiros fossem perfeitos, não viveríamos em um país em que são assassinadas quase 60.000 pessoas por ano, boa parte delas – em situações polêmicas e controversas – por agentes do próprio Estado.
Em uma Nação em que, apesar de termos uma das forças de segurança mais violentas do mundo, menos de 6% dos homicídios são elucidados e esclarecidos.
Em que, em alguns estados, quase 60% dos presos se encontram ilegalmente mofando, de forma imoral, há anos, atrás das grades, sem julgamento.
Em que o Conselho Nacional de Justiça eximiu, há poucos meses, juízes e procuradores de declararem, antecipadamente, junto com o endereço e a data, o valor das palestras pagas que estão livres para fazer para instituições de qualquer espécie.
Ao mesmo tempo em que “pune”, com apenas dois anos de suspensão, remunerada, uma juíza que permitiu que uma adolescente ficasse reclusa, durante semanas, com 30 presos do sexo masculino, em uma cadeia do estado do Pará.
A mesma punição reservada pelo CNJ, no caso, de aposentadoria compulsória também remunerada, para um Juiz que vendia sentenças no Tribunal de Justiça do mesmo Estado.
E para outros magistrados, envolvidos com quadrilhas dedicadas ao mesmo crime, em outras unidades da Federação como o Piauí, a Bahia, Roraima, Pernambuco, etc.
Um país em que dezenas de presos desarmados são metralhados, encurralados dentro de celas e corredores de um presídio, e os responsáveis pelo massacre, com equipamentos de proteção e armados até os dentes na ocasião dos fatos, são absolvidos por “legítima defesa”.
Em que as prisões, como pôde constatar, mais uma vez, a Presidente do STF, Ministra Carmem Lúcia, em visita à Penitenciária da Papuda, em plena capital da República, há alguns dias, são, principalmente pela superlotação, verdadeiras masmorras em que não existe a menor garantia, por parte do Estado, de condições minimamente dignas para o cumprimento, pelo condenado, de sua sentença.
E em que não existe nenhuma possibilidade, e, eventualmente, interesse, de garantir sua incolumidade física durante os longos períodos em que, na maioria dos casos, sem assistência médica ou judiciária, o preso eventualmente “provisório” ficará enclausurado, em condições absolutamente animalescas, à mercê de Deus, das facções e do Sistema.
Muitas vezes, porque foi apanhado com algumas pedras de “crack”, ou alguns papelotes no bolso, na esquina, produzidos à base de querosene ou de comprimidos vencidos de anfetamina, sem nenhum vestígio de cocaína.
Isso, em um planeta no qual, em nações como os EUA, a população acaba de aprovar, em plebiscito, em novos estados, incluído o mais populoso deles, a Califórnia, o uso recreativo da maconha, diante da constatação de que a mera repressão e penas implacáveis, até mesmo para usuários, como ocorre comumente por aqui, não resolvem, de forma alguma, a questão do tráfico de substâncias entorpecentes.
Diante de uma “justiça” assim, todo indivíduo tem o direito moral de tentar escapar da “lei”.
De não produzir provas contra si mesmo.
E de postergar seu julgamento e encarceramento, indefinidamente, porque a justiça que o julga e o condena, com a mão cada vez mais pesada de jovens juízes e procuradores recém-formados que vivem no mundo perfeito de suas gravatas de seda, seus altos salários e seus ternos bem cortados, é a mesma que não consegue garantir que a maioria dos detentos brasileiros passe por julgamento ou possa cumprir sua pena de reclusão em condições de relativa igualdade com apenados de outros países, como já dissemos, minimamente modernos ou civilizados, neste vigésimo-primeiro século da Era Cristã.
Barrar a Operação Lava-Jato?
Como?
Se, em resposta a uma longa sucessão de desmandos, em que a delação, como nos regimes autoritários mais abjetos da História, tornou-se o maior instrumento de investigação de uma justiça que se mostra incapaz de correr atrás de provas claras, irrefutáveis, incontestáveis, o Judiciário insiste em aumentar o casuísmo ?
Se, com o intuito de institucionalizar-se essa nova nova ordem judiciária, blindando-a contra iniciativas que possam restaurar o direito e possibilitar a defesa de quem está sendo acusado, em mais uma decisão que implica em novo passo rumo à fascistização, de facto, do país, transformando-nos, também no aspecto judicial, em uma ditadura, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta semana ser inviável que cidadãos delatados por terceiros questionem acordos de delação celebrados por quem os está acusando?
Se essa absurda determinação – que precisa ser contestada no STF – mais uma no sentido de restringir os direitos cidadãos que estão teoricamente consubstanciados na Constituição, afirma que as pessoas citadas ou acusadas nas delações, não poderão, doravante, questionar as circunstâncias, as condições em que tal delação foi obtida – se por pressão sobre o réu, eventualmente já aprisionado e sob o arbítrio de seus carcereiros e interrogadores, se sob tortura ou eventual ameaça ou chantagem, em um país em que todos sabem, existe uma das polícias mais violentas do mundo ?
Se poderão, no máximo, os delatados, que – a partir da declaração de um desafeto, de alguém que está procedendo assim em troca de uma eventual promessa de soltura – correm o risco de ser presos e acusados de qualquer crime, mesmo que não haja provas; contestar o teor das acusações, sem entrar no mérito de como foi obtida a tal “delação” pela “justiça” ?
Se o STF acaba de aceitar institucionalizar a prisão após condenação em segunda instância, restringindo ainda mais a possibilidade de defesa do réu, neste perfeito – justo, equilibrado, em nada arbitrário – sistema judiciário em que vivemos?
Como no caso da possível aprovação da validação de provas “ilícitas”, obtidas de “boa fé” por agentes do Estado, em exame pelo Congresso, estamos vivendo uma fase da vida nacional que só pode ser comparada ao período de ascensão do nazismo, quando, uma após outra, medidas de restrição do Estado de Direito e dos direitos individuais foram aprovadas pelo regime, até que a máscara de uma suposta legalidade caiu, com a imposição do ignominioso arcabouço “jurídico” das Leis de Nuremberg.
Nesse contexto, não pode restar, àqueles que defendem a liberdade e a democracia, duramente reconquistadas por nossa geração, mais do que cerrar fileiras e combater, decididamente, até mesmo em benefício da própria consciência, se não do futuro de seus descendentes, em todos os foros, cada casuísmo que possa estar sendo implementado nesse sentido, mesmo que muitas vezes eles sejam adotados sob o manto hipócrita da defesa de um país mais “honesto” e menos corrupto, até mesmo porque não há regime autoritário, sangrento e assassino da História que tenha chegado ao poder sem essas bandeiras.
Por outro lado, a emblemática absolvição de João Vaccari Neto, do fantástico desvio – tão propalado pela mídia – de 100 milhões de reais, quando presidia a Bancoop, pela juíza Cristina Balbone Costa, da Quinta Vara Criminal de São Paulo, mostra que ainda existe justiça neste país, fora do âmbito da Operação Lava-Jato, com suas ilações, sua seletividade, suas arbitrariedades, a pressão sobre os presos para a imposição, dirigida e premeditada de “delaçoes” “premiadas” e uma longa série de acusações que não se sustentam.
Mesmo que essa operação viesse a trabalhar com provas absolutamente irrefutáveis e sem pressões e arbitrariedades sobre presos e testemunhas, ainda seria necessário provar à opinião pública que seus principais integrantes não estão apenas se esforçando para encontrar algum prêmio político-eleitoral – em 2018, quem sabe – no fim do arco-íris, ou não têm a intenção de se transformar, de fato, e permanentemente, em um quarto poder oculto dentro da estrutura do Estado Brasileiro.
Não se espera que boa parte dos juízes e procuradores que dividem privilégios e vantagens, abandone, como se vê pelo comportamento de suas associações de classe, seu arraigado corporativismo, ou deixem de buscar – mesmo sem voto – como estão fazendo constante e açodadamente neste momento, aumentar o seu quinhão de poder – cada vez maior, aliás – com relação a outros segmentos, como os representantes eleitos do Executivo e do Legislativo, no contexto da sociedade brasileira.
Basta que parem de agir como vestais, e de querer posar de santos, e espetacularmente, de impolutos e messiânicos Cavaleiros da Justiça, porque, como mostram os casos de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Pará, do Paraná, de Roraima, do Piauí, da Bahia, de Pernambuco, do Espírito Santo, e de outros, muitíssimos outros lugares, nas capitais e no interior, eles não o são, como não são, também, nem impecáveis nem perfeitos.
Não o são e não estão acima dos Deputados e Senadores que pretendem “exemplar”, nem de nós, comuns mortais, que neles votamos, com nossos muitos defeitos e eventuais qualidades.
Essa é uma perspectiva que a Câmara dos Deputados precisa levar em consideração nesta semana, a não ser que queira cometer mais um suicídio político – como se não bastasse a PEC 241 que retirará poder do Estado e do Congresso – e um novo erro histórico de enormes proporções.
E é uma constatação que está começando a ser feita, e a ser melhor entendida, pela população brasileira.
*Mauro Santayana é gaúcho, jornalista com passagens pelos principais veículos de comunicação do Brasil. Conselheiro e amigo de Tancredo Neves, foi o responsável pela articulação da campanha presidencial do então governador mineiro, em 1984, representando-o em São Paulo, o que contribuiu, em muito, para o processo de redemocratização do Brasil. Siga o jornalista no Jornal do Brasil ou em seu blog.