Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, também conhecida como PEC do TETO, foi considerada pelo relator especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alston, uma medida ‘radical’ e sem ‘compaixão’, que vai atar as mãos dos futuros governantes e que terá impactos severos sobre os brasileiros mais vulneráveis, além de constituir uma violação de obrigações internacionais do Brasil.
Para especialista independente, debate sobre a PEC no Congresso Nacional foi conduzido apressadamente pelo novo governo e não contemplou de forma adequada os que serão mais afetados pelo congelamento dos gastos públicos. Alston lembrou que a medida vem de um governo que chegou ao poder após um impeachment e que, portanto, jamais apresentou seu programa a um eleitorado.
Os planos do governo de congelar o gasto social no Brasil por 20 anos são inteiramente incompatíveis com as obrigações de direitos humanos do Brasil, disse ontem, (9), o relator especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alston.
Segundo o especialista independente, o efeito principal e inevitável da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, elaborada para forçar um congelamento orçamentário como demonstração de prudência fiscal, será o prejuízo aos mais pobres pelas próximas décadas. A emenda deverá ser votada pelo Senado no dia 13 de dezembro.
“Se adotada, essa emenda bloqueará gastos em níveis inadequados e rapidamente decrescentes na saúde, educação e segurança social, colocando, portanto, toda uma geração futura em risco de receber uma proteção social muito abaixo dos níveis atuais”, afirmou Alston.
O relator especial nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou ao governo brasileiro que garanta um debate público apropriado sobre a PEC 55; que estime seu impacto sobre os segmentos mais pobres da sociedade; e que identifique outras alternativas para atingir os objetivos de austeridade.
“Uma coisa é certa”, acrescentou o especialista independente. “É completamente inapropriado congelar somente o gasto social e atar as mãos de todos os próximos governos por outras duas décadas. Se essa emenda for adotada, colocará o Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social.”
O plano de mudar a Constituição para os próximos 20 anos vem de um governo que chegou ao poder depois de um impeachment e que, portanto, jamais apresentou seu programa a um eleitorado. Isso levanta preocupações ainda maiores sobre a proposta de amarrar as mãos de futuros governantes, afirmou Alston.
O Brasil é a maior economia da América Latina e sofre sua mais grave recessão em décadas, com níveis de desemprego que quase dobraram desde o início de 2015.
O governo alega que um congelamento de gastos estabelecido na Constituição deverá aumentar a confiança de investidores, reduzindo a dívida pública e a taxa de juros, e que isso, consequentemente, ajudará a tirar o país da recessão. A medida, porém, terá um impacto severo sobre os mais pobres, alerta o relator especial.
“Essa é uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”, disse. “Vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão uma prioridade muito baixa nos próximos vinte anos.”
Alston lembrou que “isso evidentemente viola as obrigações do Brasil de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que o pais ratificou em 1992 e que veda a adoção de ‘medidas deliberadamente regressivas’ a não ser que não exista nenhuma outra alternativa e que uma profunda consideração tenha sido feita dada de modo a garantir que as medidas adotadas sejam necessárias e proporcionais”.
O especialista independente apontou que, ao longo das últimas décadas, o Brasil estabeleceu um impressionante sistema de proteção social voltado para a erradicação da pobreza e o reconhecimento dos direitos à educação, saúde, trabalho e segurança social.
“Essas políticas contribuíram substancialmente para reduzir os níveis de pobreza e desigualdade no país. Seria um erro histórico atrasar o relógio nesse momento,” disse.
O Plano Nacional de Educação no Brasil exige um aumento anual de 37 bilhões de reais para prover uma educação de qualidade para todos os estudantes, ao passo que a PEC reduzirá o gasto planejado em 47 bilhões de reais nos próximos oito anos. Com mais de 3,8 milhões de crianças fora da escola, o Brasil não pode ignorar o direito deles de ir à escola, nem o direito de todas as crianças a uma educação de qualidade, afirmou o relator.
O especialista afirmou que o debate sobre a PEC 55 foi conduzido apressadamente no Congresso Nacional pelo novo governo com a limitada participação dos grupos afetados e sem considerar seu impacto sobre os direitos humanos. Um estudo recente sugere que 43% dos brasileiros não conhecem a emenda e, entre aqueles que conhecem, a maioria se opõe a ela.
O relator especial, que está em contato com o governo brasileiro para entender melhor o processo e o conteúdo da emenda proposta, ressaltou ainda que “mostrar prudência econômica e fiscal e respeitar as normas internacionais de direitos humanos não são objetivos mutuamente excludentes, já que ambos focam na importância de medidas cuidadosamente concebidas para evitar ao máximo consequências negativas para as pessoas”.
“Efeitos diretamente negativos têm que ser equilibrados com potenciais ganhos a longo prazo, assim como esforços para proteger os mais vulneráveis, especialmente os mais pobres, na sociedade”, afirmou Alston.
“Estudos econômicos internacionais, incluindo pesquisas do Fundo Monetário internacional, mostram que a consolidação fiscal tipicamente tem efeitos de curto prazo como redução da renda, aumento do desemprego e da desigualdade de renda. E a longo prazo, não existe evidência empírica que sugira que essas medidas alcançarão os objetivos sugeridos pelo governo”, salientou o especialista independente.
O apelo do relator especial às autoridades brasileiras foi endossado também pela relatora especial sobre o Direito à Educação, Koumbou Boly Barry.
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