Por Carlos Franco
Primeiro algumas, depois dezenas, depois centenas, por fim, milhares de mulheres jogaram hoje, 29, flores para a Justiça contra o estupro coletivo de uma garota de 16 anos no Rio de Janeiro e, sobretudo, contra a cultura do estupro numa sociedade machista, como machista e misóginos são alguns de seus representantes. Mais do que simbólico, o ato lembra o quanto a Justiça brasileira, por meio de alguns de seus representantes, inclusive os instalados e regiamente pagos com dinheiro público, dos cidadãos brasileiros, no Supremo Tribunal Federal (STF) a tornam caolha, assim, como desta feita, o Supremo (a nossa Suprema Corte) que deveria exercer o papel da imparcialidade e cai a cada dia na vala comum do descrédito, ainda que sem abrir mão dos proventos pagos pelos cidadãos, inclusive pela garota estuprada que contribui com impostos e contribuições para os salários dos meritíssimos.
O caso do médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão pela Justiça criminal de São Paulo em novembro de 2010, acusado de 52 estupros de suas próprias clientes, é exemplar. Três anos depois de condenação e pesando-se o fato de estar foragido da Justiça, em 2014 conquistou habeas-corpus para responder em liberdade aos crimes cometidos assinado e lavrado por um ministro do STF. Portanto, depositar flores na Justiça, ainda é uma crença que esse poder, hoje tão diluído e dilapidado, ainda possa ser uma resposta mais humana e menos espiritual que o poder divino às atrocidades. Uma questão de Justiça; dos homens.
O brilhante jornalista Vicente Vilardaga tratou inclusive desse tema no livro que foi lançado este mês e que revela a face sórdida do médico Roger Abdelmassih intitulado A Clínica, à venda nas melhores livrarias do país e que mostra tudo sobre a farsa e os crimes do médico que chocou o Brasil. Um mito da medicina reprodutiva, incensado nos melhores salões paulistanos, homem admirável acima de qualquer suspeita, mas cujo espantoso edifício de crimes chocou a todos os brasileiros. Com um texto primoroso e uma reconstituição detalhada dos fatos, o repórter Vicente Vilardaga esmiúça a inacreditável trama de mentiras que cercam o médico condenado a 278 anos de prisão por mais de 48 delitos de abuso sexual a suas pacientes.
E, a partir daqui, a reportagem assinada por Felipe Pontes, da Agência Brasil, que acompanhou a marcha de hoje em Brasília:
Após uma contagem regressiva de trinta a zero, cerca de 3 mil manifestantes, a maioria mulheres carregando flores nas mãos, marcharam na manhã deste domingo (29) pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para protestar contra a cultura de estupro, pedir justiça para os casos que envolvam violência contra a mulher e exigir políticas públicas que garantam a educação de gênero nas escolas brasileiras.
A Marcha das Flores – 30 Contra Todas, organizada por 16 entidades ligadas a causas feministas e de defesa da criança e do adolescente, foi motivada pelo caso da menor estuprada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro. Um vídeo com imagens do crime foi publicado na internet na última quarta-feira (25), causando comoção nas redes sociais e a entrada da polícia no caso.
Sob gritos de ordem como Mexeu com uma, mexeu com todas, Não tem justificativa e Lugar de mulher é onde ela quiser, as manifestantes seguiram até a frente do Supremo Tribunal Federal (STF), onde derrubaram as grades que cercavam o local e tomaram a frente do edifício, sobre o qual foram fixadas calcinhas pintadas de vermelho, numa alusão à violência sexual contra a mulher.
“Para nós, a rua é um campo de batalha. Os homens não têm ideia do medo que a gente vive diariamente. Todos têm esse potencial de ser agressor, porque é natural de nossa cultura subjugar a mulher. Essa desconstrução é muito difícil, mas vamos enfrentar”, disse a professora Daniela Gontijo, de 29 anos.
A estátua de Têmis, a deusa da Justiça, que fica em frente ao STF teve o colo coberto por flores e por cartazes nos quais se liam Fere o Corpo, Fere a Alma e Mulheres Contra a Cultura de Estupro. As mulheres gritavam também gritadas palavras de ordem contra o governo.
“Só com escola e com políticas públicas que se pode combater qualquer tipo de violência, e em especial a violência contra a mulher e o machismo”, opinou Ana Beatriz Goldstein, funcionária da Secretaria da Mulher do Distrito Federal e uma das organizadoras do ato. Segunda ela, dezenas de diretoras de escolas públicas estavam presentes.
A estimativa de público dada pelas organizadoras foi maior do que a da Polícia Militar, segundo a qual cerca de 2 mil pessoas compareceram ao ato.