Mesmo desconsiderando todos os fatores econômicos e sociais, os homens negros têm 23,5% mais chances de serem assassinados do que os brancos no Rio de Janeiro. A estimativa é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que apresentou sexta-feira (18) estudo inédito feito a partir de uma análise metodológica inovadora, com base nos dados do Censo 2010 e do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Datasus.
O levantamento utilizou os dados de residentes e de pessoas que morreram na cidade do Rio de Janeiro em 2010. Foram levadas em conta também as informações de escolaridade, local de residência, idade e estado civil, na amostra de homens entre 14 e 70 anos. No artigo Democracia Racial e Homicídio de Jovens Negros na Cidade Partida, os pesquisadores Daniel Cerqueira e Danilo Coelho concluíram que, mesmo entre pessoas de mesmo padrão social e econômico, os negros têm mais chances de serem vítimas de homicídios do que os brancos.
De acordo com Cerqueira, o objetivo da análise foi investigar as razões dessa diferença de letalidade baseada na cor da pele, já que de cada sete pessoas assassinadas no Brasil, cinco são afrodescendentes. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, enquanto os homicídios de não negros caiu 13,7% de 2004 a 2014, no mesmo período o assassinato de negros cresceu 19,8%.
“Existem duas hipóteses concorrentes. A da democracia racial, que fala que o negro morre mais porque é mais pobre, não porque é negro. E que ele é pobre porque foi largado desde a abolição da escravatura numa condição pior do que a do branco, aí você tem uma rigidez intergeracional – como ele era mais pobre lá no passado, continua mais pobre hoje, então ele morre mais”, afirmou o pesquisador.
Cerqueira disse ainda que a pesquisa nega essa hipótese, da chamada “democracia racial”, e busca explicações no racismo. “A gente considera a hipótese do racismo, que afeta a letalidade de negros por três caminhos, dois indiretos e um direto. Os indiretos têm a ver com práticas educacionais e discriminação no mercado de trabalho. Então, quando você olha a distribuição de renda do Brasil, os 10% mais pobres têm 73,1% de negros e quando olha os 10% mais ricos, há 73,6% de brancos ou amarelos. Parte dessa pobreza já é o mecanismo via racismo da questão educacional e do mercado de trabalho. Além disso, investigamos o efeito direto do racismo sobre a letalidade de negros”, acrescentou.
Para os pesquisadores, o racismo se mostra principalmente em três vertentes: políticas e práticas educacionais discriminatórias; discriminação no mercado de trabalho; e racismo institucional das polícias e da mídia na diferenciação da forma como são noticiadas mortes violentas de negros e de brancos. De acordo com Cerqueira, como é verdade que os negros são mais pobres, se a análise se resumir a separar as vítimas negras das não negras, “obviamente eles vão ser mais vitimados”.
“Então, nós fizemos um modelo econométrico incluindo o grau de escolaridade, o estado civil, a idade e o local de residência. Considerando essas outras variáveis, essa historinha do social está controlada. Então, a gente tem uma base de dados inédita e fizemos para cada pessoa do Rio de Janeiro, com as características socioeconômicas e a cor da pele, e fizemos um modelo para expurgar todas essas outras características e ficar apenas com o efeito direto da cor da pele na letalidade. E, com isso, verificamos que o negro tem 23,5% mais chances de ser morto”.
Na probabilidade de cada pessoa no Rio de Janeiro sofrer homicídio, calculada pelos pesquisadores, entre os 10% que têm mais chance de sofrer homicídio, 79% eram negros. A pesquisa concluiu também que entre a população branca, há uma proteção maior da infância e juventude, mas o mesmo não ocorre com a população negra. Enquanto um adolescente branco tem 74,6% menos chance de ser assassinado do que um adulto branco, a chance de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 23,2% maior do que a de um adulto negro.