Após um julgamento simbólico, manifestantes pediram ontem (19) a condenação do Estado pela violência policial contra a população das periferias, no Jardim Ângela, zona sul paulistana. O ato reuniu movimentos da causa negra que apoiam famílias de vítimas de ações da polícia na cidade. A manifestação ocorreu na Paróquia Santos Mártires, que historicamente tem abrigado e promovido mobilizações contra a morte de jovens.
“Exigimos justiça por meio da reparação e indenização de todos os familiares dos jovens assassinados pela ação letal das polícias do estado de São Paulo”, enfatizou o manifesto, lido após a exposição das acusações feitas pela sociedade civil e sustentadas pelos depoimentos das famílias atingidas. Também foram demandadas a “apuração imediata dos crimes de chacina”, o desencarceramento, a desmilitarização das polícias e a criação de mecanismos de controle social sobre o sistema de segurança pública e o Judiciário.
Os homicídios múltiplos, frequentemente perpetrados por agentes públicos, segundo os militantes, foram um dos temas mais falados durante o ato. “As chacinas são muito sérias, porque afetam principalmente os jovens”, destacou, ao microfone, Vitor Silva, ao falar em nome do Comitê Juventude de Resistência. Ele lembrou que, apesar de algumas regiões, como o Jardim Ângela e os bairros vizinhos, serem consideradas focos desse tipo de violência, o problema está espalhado pela cidade. “Morrem [jovens]todos os dias em vários lugares. Em Taipas [zona norte], e, Guaianases [zona leste], não só na zona sul”, ressaltou, em momento reservado à acusação.
Homicídio
Os altos índices homicídios e atividade de grupos de extermínio são um problema que se estabeleceu há décadas na Grande São Paulo, segundo o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso. A partir dos estudos que desenvolveu sobre o tema, ele conta que, na década de 1980, era possível escutar os chamados “justiceiros” defendendo o assassinato de criminosos em programas de rádio. “O homicídio era colocado como solução, como forma de controle”, explicou o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.
Essa ideia ganhou força, de acordo com Manso, ao longo dos anos, e levou uma parte da sociedade a apoiar a morte de assaltantes e traficantes como forma de controle da criminalidade. Para mostrar como é alarmante o grau de violência empregado atualmente pelos agentes do Estado, o pesquisador destacou que 30% dos homicídios ocorridos na cidade de São Paulo são registrados como resistência seguida de morte, ou seja, pessoas baleadas sob a justificativa de terem ameaçado policiais.
Além das mortes efetuadas por policiais em serviço, Manso lembrou dos diversos casos em que ficou comprovada a ação de agentes públicos, especialmente PMs, em execuções. Citou o caso do grupo de extermínio conhecido como Highlanders, que atuou na zona sul paulistana, e tinha como método cortar as mãos e cabeças das vítimas. Também falou brevemente sobre a chacina no Jardim Rosana, quando sete pessoas foram mortas em um bar em um crime que buscava atingir o denunciante de uma outra execução, cometida semanas antes por policiais. Em ambos os casos policiais militares do 37º Batalhão foram apontados como suspeitos.
Depoimentos
Só recentemente, Terezinha de Jesus, de 61 anos, teve coragem para falar da morte do filho, ocorrida em 1994. “Eu falava que tinha sido um acidente de moto, por causa do preconceito”, contou, sobre o jovem que foi assassinado aos 18 anos. Segundo ela, o caso foi registrado como linchamento. Mas Terezinha diz que testemunhas viram o rapaz ser preso, após tentar fazer um assalto, e que o corpo estava baleado. “Tiro na cabeça, na boca. A mão dele estava quebrada”, relatou a copeira aposentada sobre o estado do corpo do filho.
O sofrimento com a perda, que ela atribui a policiais, fez com que Terezinha evitasse que vizinhos e o crime organizado matassem o responsável pelo assassinato do caçula, em 2012. De acordo com ela, o rapaz, então com 32 anos, reagiu a um assalto e acabou esfaqueado. “Eu não deixei, porque eu lembrei do meu filho. Eu queria Justiça, cadeia”, disse, sobre seu desejo, que acabou realizado. Segundo ela, atualmente o assassino está preso.
Governos
Foram convidados ainda, para participar como defensores dos órgãos governamentais, representantes do Ministério Público e da Secretária Estadual de Segurança Pública. O secretário municipal de Segurança Urbana de São Paulo, Domingos Mariano, foi o único que compareceu ao julgamento simbólico. Ao discursar, lembrou seu histórico como defensor dos direitos humanos e também condenou a violência contra as parcelas mais vulneráveis da sociedade. “Eu também condeno o Estado pela violência contra a população pobre da periferia e contra juventude”, ressaltou.
Mesmo governos com viés mais progressista falharam, segundo Mariano, em obter soluções para o excesso de violência nas ações das polícias. “Infelizmente, mesmo os governos de posição progressista, de esquerda, que passaram pelo governo federal, não ampliaram o debate e não executaram as reformas estruturais necessárias para nós termos um sistema de segurança pública legalista e democrático”, disse.
A Agência Brasil entrou em contato com a Secretária de Estado da Segurança Pública de São Paulo, mas não obteve retorno.