Texto e Fotos de Romildo Guerrante, Editor da Revista Bio
Casa atingida pelo rompimento da barragem do Fundão
Até pisar no chão do subdistrito de Bento Rodrigues, a 34km da cidade histórica de Mariana (MG), eu não fazia ideia do tamanho do estrago provocado pelo rompimento da barragem do Fundão, que despejou em quatro minutos 34 milhões de toneladas de lama sobre os 600 moradores e as 210 casas do povoado surgido com a febre do ouro das minas gerais no século 18.
Dois meses antes de seguir para Mariana, admito que me espantei com as imagens que tinha visto na televisão. Mas nada se compara ao que vi quando atolei no barro fofo os dois calçados especiais que tinha levado para ver de perto o tamanho da tragédia. Dois calçados acostumados à lama e à neve, calejados de andar em terrenos difíceis, que voltaram semidestruídos da viagem de 700km ao longo dos rios Gualaxo e Doce, de Mariana a Regência, já no Espírito Santo, onde a avalanche deu de cara com o mar.
Em mais de 40 anos como repórter, não tinha visto nada igual. O que aconteceu com a barragem da Samarco é hoje considerado sem discussão o maior acidente do tipo no país. Até então, nada se havia visto com essa dimensão, com a natureza dos danos causados ao meio ambiente, a destruição de quase toda uma bacia hidrográfica em que vivem mais de 3 milhões de brasileiros.
A lama que desceu das fraldas da Serra do Espinhaço, viajando com ímpeto destruidor a 30km por hora, invadiu e extrapolou as calhas de rios que mal comportariam uma chuva mais forte, tal o grau de assoreamento que já se registrava com a devastação e a seca. Com os rios minguados, costelas à mostra, a lama arrebentou as margens florestadas, cavucou debaixo da mata ciliar, fragilizando-a, arrastou gente, casas, e pontes, uma quantidade jamais calculada de animais domésticos e de criação.
A lama deixou um rastro de destruição
Levou tudo que tinha pela frente. Os peixes, atacados em seu ambiente, ficaram sem o oxigênio necessário e foram eliminados. Algumas espécies sobrevivem nos afluentes, há esperança de que se possa fazê-los viver no Doce quando a turbidez desaparecer. Quando? Nenhum pesquisador sério arrisca afirmar. Talvez três anos, otimistamente.
Essa lama que desceu de Mariana, feita de um pó muito fino que descola do minério durante a lavagem, foi revolvendo os muitos poços profundos que, dizem os técnicos que analisaram o material, guardavam metais pesados no fundo dos rios, restos de antigas minerações, de técnicas já em desuso.
A avalanche tanto revolveu quanto depositou lama no leito ao longo da caminhada. É possível que a parte da descarga que chegou ao litoral tenha sido pequena. Mas obrigou o Projeto Tamar a tirar da frente o Projeto Tamoios, fazendo três meses depois da descarga a primeira soltura de filhotes de tartaruga, a 1km da foz em Regência, onde as águas estão turvas, mas as chances de sobrevivência são maiores.
A lama que chegou até o mar apresenta características especialíssimas: não se dissolve, movimenta-se pra cima e pra baixo ao sabor das marés e dos ventos, em bloco, como se fosse uma almofada. Algum dia irá se dissolver? Outra incógnita da grande tragédia.
Três localidades foram dizimadas: Bento Rodrigues (sobraram 21 casas), Paracatu de Baixo (seis casas numa pequena encosta) e Gesteira (só sobrou a igrejinha). Daí pra baixo os danos foram ao rio especificamente, às três hidrelétricas (paralisadas pela impossibilidade de operar com lama nos geradores) e às estações de tratamento de água (que não puderam captar pela impossibilidade de produzir sedimentação do barro para permitir a filtragem).
Os prejuízos econômicos foram estimados em meio bilhão de reais apenas em Minas Gerais. Em Mariana, a Samarco, que contribui com 80% da arrecadação municipal, tem um discurso de otimismo alavancado, tipo “vamos olhar pra frente”. O prefeito Duarte Júnior (PPS) encabeça um movimento pela retomada das operações da mineradora, enfrentando oposição do Ministério Público, que quer ver a situação dos desabrigados pelo menos equacionada.
Cenário de destruição que custou a vida de 17 pessoas
A situação deles está longe disso, participam de sucessivas reuniões, discutem indenizações. Sem trabalho, muitos se valem da intensa atividade de reconstrução de estradas, pontes, escolas, que aqueceu o mercado de trabalho na Mariana semiparalisada desde novembro. Trabalho temporário, todos sabem, mas, no geral, há muita esperança. Ou desinformação.
A família de cada um dos 17 mortos recebeu R$ 150 mil, quem ficou sem trabalho ganha um salário mínimo, os pescadores sem pescado estão de braços cruzados, mas alguns recebem da Samarco bem mais que se estivessem trabalhando.
No início de março, a presidente Dilma Rousseff anunciou um acordo com a mineradora Samarco e suas controladoras e com os governos estaduais de Minas e Espírito Santo. O acordo, que não tem obrigações legais, prevê investimentos de R$ 20 bilhões em 15 anos para indenizar os desabrigados, recuperar as localidades destruídas, devolver a vida à Bacia do Rio Doce.
O Ministério Público, que tem várias ações ajuizadas contra a mineradora, recebeu com ceticismo o anúncio do governo federal. Nenhum dos valores mencionados passa credibilidade para quem sofreu o desastre – e não foi chamado a opinar. Nem para quem olha de fora o tamanho do bicho que deixaram acontecer.
(*) Publicado anteriormente na revista eletrônica Balaio de Notícias e em Plurale em site.