A Editora Olympia lançou, pela Amazon, tanto impresso como para leitura em e-book, uma edição da obra de domínio público O Alienista, de 1882, que comprova a atualidade visionária de Machado de Assis (1839-1908). O escritor, criador da Academia Brasileira de Letras e “bruxo do Cosme Velho” segundo Carlos Drummond de Andrade, parecia prever os caminhos e descaminhos do instituto da delação premiada, instrumento largamente usado para dar corpo à Operação Lava-Jato no Brasil do século 21. A diferença, nada sútil, é que Dr. Simão Bacamarte não trafegou no uso desse expediente, a delação premiada, em pista seletiva visando proteger alguns e condenar outros. Prendeu todos os citados, o que não ocorre no cenário real em que se desdobra a midiática Operação Lava-Jato no Brasil, comprometendo inclusive a sua credibilidade e demonstrando que a Justiça não se faz para todos, mas apenas para alguns. Se seu símbolo é venda nos olhos, para demonstrar julgamentos imparciais, no Brasil ela é caolha no âmbito da Operação Lava-Jato em que a Polícia Federal exerce papel carnavalesco como na condução daqueles forçados a criar provas contra si próprios, ou incriminar outros. Mais: expõe o exercício da vaidade togada que uma mídia sem compromisso com a essência do jornalismo exalta na defesa de um grupo em detrimento de outro.
O Alienista, além dessa potente carga de permanência, inaugura o realismo na literatura brasileira ao colocar em cena Dr. Simão Bacamarte, um abnegado médico que, na ânsia de extirpar o mal que nos ronda, acaba por encarcerar na sua Casa Verde, criada para cuidar de “loucos” na fluminense Itaguaí, quase toda a população de uma cidade.
A visão aguçada desse “bruxo” que residia na carioca Rua do Cosme Velho, número 18, é puro deleite para os que gostam de ler e o fato de ter relatado o capitalismo em sua periferia, ainda que agregado ao poder, como é destacado no prefácio dessa obra, um belo estudo da transição entre Império e República onde só a realidade do andar debaixo parece inexoravelmente predestinada a se perpetuar miserável, em todos os sentidos e no correr dos séculos ainda que alguns líderes como Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva tenham se empenhado, com ações e atos, para reduzir o fosso que separa o andar de cima do andar debaixo. Ambos, por seus atos, vítimas da crítica mordaz, muitas vezes infundada das torpes elites brasileiras e de seus provincianos meios de comunicação como é destacado no prefácio desta importante obra da língua portuguesa.
O prefácio da obra, assinado pelo nosso editor-chefe, Carlos Franco, é um mergulho na história do país, de Machado de Assis aos dias que correm em que nada mudou; pois as elites sempre vão tratar de jogar aqueles que estão no andar debaixo para a periferia do capitalismo sob o manto protetor das injustiças praticadas em nome da Justiça. E à essa maioria restará apenas os arranjos que as elites tanto apreciam e que implicam invariavelmente submissão aos seus interesses.
Machado de Assis foi mesmo um “bruxo” como dizia Carlos Drummond de Andrade: previu até o momento que hoje vivemos, só que com mais ética e sem permitir que Dr. Simão Bacamarte se deixasse invadir pela vaidade ou tomasse o caminho das pistas seletivas para proteger um grupo ou outro. Nesse ponto, O Alienista é uma obra de ficção ainda que o tema abordado seja lamentavelmente o retrato dos dias que correm e a paralisia de uma cidade, a Itaguaí de Machado de Assis, é um dos focos da obra. Só que a cidade cresceu; tornou-se um país.