Por Fernanda Marinela*
As mulheres agora têm cota mínima na composição de todas as chapas que concorrem a eleições na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como as que serão realizadas em novembro para renovação das diretorias de suas 27 seccionais espalhadas pelos Estados. Está em vigor o artigo 7º do Provimento 161, de 3 de novembro de 2014, que prevê mínimo de 30% de um dos gêneros na composição de uma chapa.
E já não era sem tempo. Dos 876.933 advogadas e advogados que fazem parte dos quadros da OAB, 407.406 são mulheres (46,46%) e 469.527 são homens (53,54%). Estatisticamente, seria uma situação de igualdade. Acontece que, apesar de pagarmos a conta, nós, mulheres, não sentamos na metade da mesa.
A OAB nunca teve mulher na presidência. Das seccionais da OAB nos 27 estados, só 7 já foram presididas por mulheres (PI, RS, MS, AP, MT, PA, DF). Atualmente, dos 81 conselheiros federais titulares, apenas 5 são mulheres. Em todo o país, só 17% dos cargos de diretoria do sistema da OAB são ocupados por mulheres.
O desequilíbrio é evidente e foi essa constatação que fez o Conselho Federal da OAB constituir, em 2013, a Comissão Nacional da Mulher Advogada, já representada nas seccionais em todos os Estados, que elabora estudos e propostas para a OAB, promove ciclos permanentes de debates, apoia o movimento Mais Mulheres na OAB e realiza a Conferência Nacional da Mulher Advogada, que neste ano teve sua primeira reunião, realizada em Maceió, Alagoas.
Historicamente, a conquista de direitos pelas mulheres no Brasil e no mundo é um paulatino trabalho de formiga. É só lembrar que no Brasil as mulheres só passaram a ser oficialmente admitidas no serviço público a partir de 1917. E que o direito ao voto só foi conquistado pelas brasileiras em 1932 e consagrado na Constituição de 1934, que já contou com uma deputada colaborando na sua elaboração: a paulista Carlota Pereira de Queirós, médica e escritora, a primeira mulher a ganhar eleições no Brasil.
Mas a bandeira do voto feminino já vinha sendo levantada desde o século 19, com pioneiras como Nísia Floresta (1810-1885), a primeira feminista brasileira, natural do Rio Grande do Norte. Ela foi a primeira mulher brasileira a publicar artigos em jornal e denunciou as injustiças praticadas contra categorias como mulheres, negros e índios, reivindicando que seus direitos fossem concedidos e respeitados.
Outra “formiga” na conquista do voto feminino foi a bióloga e advogada paulista Bertha Lutz (1894-1976), filha do médico e cientista carioca (1855-1940), pai da medicina tropical. Bertha estudou na França e em 1919 lançou as bases efetivas do movimento feminista no Brasil ao fundar, no Rio de Janeiro, então Capital Federal, a Federação Brasileira para o Progresso Feminino, com a bandeira da defesa do voto das mulheres.
Muitas mulheres pagaram caro por sua luta por uma sociedade mais justa e democrática, como foi o caso da escritora paulista Patrícia Galvão (1910-1962), mulher do escritor modernista Oswald de Andrade (1890-1954), presa e barbaramente torturada na ditadura do Estado Novo (1937/1945). Outra mulher pioneira, Olga Benário Prestes (1808-1942), alemã e judia, mulher do na época líder do Partido Comunista Luís Carlos Prestes, seria presa e mandada para um campo de concentração da Alemanha nazista, onde morreria numa câmara de gás.
O número de mulheres deputadas passou de 1 em 1934 para 6 nos anos 1970 e atualmente temos 38 mulheres deputadas, que representam 7% dos 513 deputados que compõem a Câmara.
Pela legislação brasileira, a mulher casada só deixou de ser considerada incapaz em 1962 e a lei do divorcio só entrou em vigor em 1977. A igualdade de direitos entre homens e mulheres nas relações conjugais só ficou garantida a partir da Constituição de 1988. E só em 2002 se firmou jurisprudência que pôs fim à possibilidade de anulação do casamento se o homem descobrisse que a mulher não era mais virgem. A Lei Maria da Penha, que combate a violência doméstica da qual a mulher é a grande vítima no Brasil, também é recente: data de 2006.
Graças às mulheres ativistas do passado, pioneiras que defenderam a bandeira das mulheres em nome da justiça, nossas filhas não serão discriminadas se engravidarem sem ser casadas. A elas devemos o fato de termos direitos patrimoniais, mesmo se não casamos “de papel passado”, e de podermos desfrutar de licença-maternidade de quatro meses. E hoje eu acho que a luta das mulheres ficou mais fácil, porque agora temos os homens do nosso lado – os homens de verdade, aqueles que nos reconhecem como cidadãs e nos veem como iguais.
*Fernanda Marinela é presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB. Mora em Maceió, Alagoas.
CARTA DE MACEIÓ
Nós, participantes da I Conferência Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB, reunidos em Maceió, nos dias 21 e 22 de maio de 2015, considerando a função institucional da Ordem dos Advogados do Brasil na luta pela efetivação da igualdade de gênero e respeito às diversidades e eliminação de todas as formas de discriminação e a promover a igualdade entre homens e mulheres, reafirmando o papel essencial das mulheres advogadas na concretização do Estado Democrático de Direito, propomos as seguintes ações:
– Instituir o Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada;
– Apoiar e fortalecer o “Movimento Mais Mulheres da Ordem” para a efetivação da participação e representação das mulheres advogadas em todos os órgãos que integram a Ordem dos Advogados do Brasil;
– Participar das campanhas de ampliação de participação das mulheres nos espaços de poder, intensificando o apoio ao “Mais mulheres na Política” promovido pela Justiça Eleitoral;
– Permanecer e intensificar políticas de ações afirmativas para mulheres advogadas;
– Incluir no calendário permanente dos eventos da Ordem dos Advogados do Brasil a Conferência Nacional da Mulher Advogada;
– Intensificar os esforços para garantir o exercício da Advocacia, em igualdade de condições para todas as mulheres;
– Fortalecer a atuação da mulher no exercício da Advocacia com a implementação e intensificação de políticas afirmativas para mulheres advogadas;
– Capacitar, através de cursos da ENA e ESAs, a mulher advogada, principalmente quanto as inovações no processo e mecanismos de solução de conflitos;
– Intensificar a integração das Comissões da Mulher e Mulher Advogada existentes nas Seccionais, colaborando com suas necessidades locais;
– Fortalecer o trabalho da Comissão Nacional da Mulher Advogada;
– Promover o conhecimento do caráter multidisciplinar da Lei Maria Penha, colaborando com a sua efetiva implementação;
– Apoiar projetos de combate a violência contra a mulher, considerando-a uma grave violação aos direitos humanos;
– Ampliar os debates sobre a igualdade de gênero e da participação das mulheres nos espaços de poder.
Não há sucesso legítimo sem esforço árduo!
Assumimos hoje o propósito de fazer perpetuar o compromisso assumido pela Constituição Federal de 1988 em concretizar o objetivo fundamental de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Maceió/Alagoas, 22 de maio de 2015