O dramaturgo, jornalista e escritor Nelson Rodrigues, famoso por sua polêmica coluna A vida como ela é, escrita ao longo de dez anos (de 1951 a 1961), será publicado pela primeira vez em Portugal. A responsável pela publicação é Bárbara Bulhosa, 44 anos, diretora editorial da Tinta-da-China, editora portuguesa que, desde 2012, busca fazer uma ponte entre a literatura de Portugal e do Brasil.
Por Marieta Cazarré/Correspondente da Agência Brasil
“Acho que [o público português]vai receber o Nelson Rodrigues lindamente, porque ele é um gênio, escreve maravilhosamente e tem uma inteligência fora do comum. É um autor extraordinário que, por acaso, é brasileiro, mas podia ser inglês, alemão… Ele tem muito de brasileiro, toda aquela sacanagem, a forma do entendimento dele do relacionamento entre um homem e uma mulher. O conhecimento dele dos homens e das mulheres é uma coisa extraordinária, e isso está visível nos contos A vida como ela é de uma forma brilhante”, disse Bárbara Bulhosa.
Bárbara disse acreditar que, como ela, os leitores portugueses vão se encantar com Nelson Rodrigues. “Quando começas [a ler], não queres parar, principalmente pela sensibilidade dele, a inteligência, e o fato de ele nos perturbar, ser desconcertante. Eu acho que só um grande autor é desconcertante, mexe contigo, te irrita, te faz rir, te faz chorar. E o Nelson Rodrigues faz isso”.
Bárbara Bulhosa, que é formada em história e trabalhou durante dez anos em uma rede de livrarias, conta que sempre teve o sonho de trabalhar com livros. Em 2004, após ficar desempregada, decidiu fazer uma pós-graduação em técnicas editorias na Faculdade de Letras de Lisboa, com o intuito de criar uma editora.
“Eu sabia que queria trabalhar com livros e queria fazer qualquer coisa a volta dos livros, editora foi a saída que encontrei”.
Foi a partir dessa experiência que nasceu a Tinta-da-China, uma editora que, ao longo dos anos, foi ganhando o reconhecimento do mercado português pela qualidade de suas publicações. Tinta da China é a expressão portuguesa para aquilo que, no Brasil, chamamos de nanquim. O nome da editora surgiu num brainstorming e tem a ver com o fato de que o nanquim não se apaga.
“E o imaginário leva-te para uma coisa antiga. O que nós tentamos fazer com os nossos livros, enquanto objetos, é manter grafismo e materiais clássicos, paginações clássicas. Estamos, no fundo, a recuperar uma memória de livros antigos. Mas olhas para os livros e percebes que são modernos”, disse Bárbara.
A partir de 2012, quando entrou no mercado editorial brasileiro, Bárbara começou a publicar autores portugueses, clássicos e contemporâneos, que nunca tinham sido lançados em nosso país. Ao mesmo tempo, começou a levar para Portugal livros de autores brasileiros inéditos no país. A opção da editora é sempre trabalhar com as obras no idioma original, sem fazer adaptações.
“Sou defensora da língua portuguesa nas suas variantes. Acho que foi um grande erro, durante anos, nós adaptarmos Jorge Amado, por exemplo. Há muitos autores africanos que escrevem na língua portuguesa, mas de uma forma muito oral ou com palavras que não conhecemos, como Mia Couto. Mas isso é essencial, porque isso é a riqueza da língua. A língua é viva e nos entendemos assim. Acho muito importante nós começarmos a ler os autores como eles escrevem”, defende Bárbara Bulhosa.
“Quando trabalhei como livreira, percebi que a qualidade pode vender. Percebi que se eu destacasse livros com muita qualidade – livros que muitas vezes não estão destacados porque não são best sellers -, eu os vendia. Quando fui para a edição, a minha premissa era a de que a qualidade pode vender. Faço livros para quem gosta de ler e para quem gosta de livros. Não faço livros para toda a gente”.
Para a editora, apesar da alta qualidade editorial do Brasil, ainda somos um país que não valoriza os livros. “Comparativamente, mesmo em termos relativos, em Portugal lê-se mais do que no Brasil. No Brasil edita-se muito mais e a qualidade da edição é extraordinária. Aqui [em Portugal]também tem grande parte da população que não lê, mas há uma elite que lê, inclusive a elite econômica. Acho que essa é uma grande diferença. Porque no Brasil, quando vou à casa de pessoas muito ricas, não vejo uma biblioteca, vejo obras de arte contemporâneas. Aqui em Portugal, as pessoas com muito dinheiro, mesmo que não leiam, compram livros”.