Não era um pássaro nem um avião. E o público que passeava no Aterro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro, também não chegou a um consenso sobre o que era aquele enorme mamífero inflável que subiu nos céus à beira da Baía de Guanabara, no sábado, 23 de abril. Para a criadora da obra de 34 metros de comprimento por 23 metros de altura, a artista australiana Patricia Piccinini, trata-se de uma baleia chamada Skywhale.
Flávia Villela/Repórter da Agência Brasil
“Quando imaginei esta obra pensei na evolução e como a natureza se basta. Ela não está aqui por você ou por mim; e temos apenas sorte por poder viver nela, experimentá-la”, disse Patrícia, cuja obra é voltada para as questões do homem no âmbito da engenharia genética e da biotecnologia, e como essas tecnologias influenciam a maneira como nos relacionamos com o mundo.
A baleia mutante também faz homenagem ao gênero feminino, ressaltou a artista. “Ela tem muitas tetas: expressa carinho, proteção e bondade. Simboliza a maternidade. O papel de cuidado geralmente atribuído a maternidade é pouco valorizado e precisamos ressaltar sua importância, a importância do cuidar das nossas crianças, cuidar dos outros”, acrescentou.
Para o Igor Machado Queiroz, 8 anos, o simpático monstro inflável era uma tartaruga. “Ela tem meio que um casco. Também pode ser um peixe, com nadadeiras”, disse, fascinado com o primeiro balão de gás tão perto dos olhos.
O pequeno Camilo Hearte, de 6 anos, só parou de brincar com a criatura de lona depois que ela ficou suspensa no ar. “Acho que é um peixe com tetas dos lados e, em vez da cauda, aquela é a garra de um monstro”, disse o menino. A mãe, Natalia Gerschovich, de 38 anos, fez questão de trazer Camilo para ver a obra. “Vim para isso. Não conheço o trabalho dela, mas achei muito legal”, afirmou Natalia, que é artista plástica. “Estou gostando muito das cores, das formas, da textura, do desenho. Gostei de ver todo o processo antes e depois de já cheio”.
Vendedor de bebidas no Aterro do Flamengo há 25 anos, José Inaldo Silva Bispo, de 54 anos, achava que o balão era parte de uma campanha sobre o câncer de mama ou amamentação.
“As tetas dão a entender isso. Nesses 25 anos já vi vários eventos, mas nada assim. Bacana, se soubesse tinha trazido meu neto e minha neta para ver”, disse. Ao ser informado de que era uma baleia, Bispo ergueu as sobrancelhas e ponderou: “Na visão do artista, ele imagina uma coisa e tenta passar aqui para o público. Na visão dele pode ser uma baleia, um golfinho, mas aquilo ali é uma tartaruga marinha”, completou.
A obra faz parte da exposição ComCiência da artista que ocupa todo o prédio do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de 29 de abril a 27 de junho, na rua Primeiro de Março, centro do Rio.
A aposentada Maria José Wolf, de 72 anos, ficou sabendo da baleia pelo jornal. “Achei sensacional. É uma baleia com as mutações, porque tem as tetas, pés de bichos lá atrás. Faz a gente pensar. Acho a manipulação interessante, mas perigosa, sem mutação é melhor”, disse.
A mostra levou mais de meio milhão de visitantes nos CCBBs de São Paulo e Brasília, com pinturas, desenhos, vídeos, fotografias e esculturas hiper-realistas feitas de materiais como silicone e fibra de vidro.
A artista disse estar emocionada com a boa receptividade do público brasileiro. “Muita gente foi às exposições, e me senti muito bem, pois faço trabalho para me comunicar com as pessoas. Quero que ele seja parte de uma malha cultural que discute temas fundamentais para nós, como o que é superficial e o que é natural, a forma como tratamos o meio ambiente, os outros animais, o que nos é diferente”.
Uma das obras foi feita especialmente para a rotunda do prédio da Primeiro de Março. A escultura inflável, com quase 25 metros de altura e 9,5 metros de largura, fica presa ao teto. Uma vasta cabeleira completa os dois metros finais até o chão. A obra estará em constante movimento, inflada e esvaziada em ciclos de 15 a 20 minutos. Ao ser inflada, a escultura revela uma índia ajoelhada sob a cabeleira.
Outra instalação que é novidade no Brasil é The Breathing Room (O quarto que respira). Em uma sala escura, o público será levado a se sentir como estivesse dentro de um corpo que passa por uma reação emocional. Para conseguir esse efeito, a artista criou um ambiente integrado a partir de três diferentes estímulos: visual, pelas animações projetadas em três telões; auditiva, através do som correspondente a estas imagens, e tátil, derivada do movimento do piso, que balança acompanhando em sincronia as imagens e os sons emitidos. Ora lenta, ora acelerada, a respiração poderá ser vista, ouvida e sentida.
Para o curador Marcello Dantas, visitar a exposição “é como se você tivesse entrado nesse circo, nessa casa mal-assombrada”, povoada por criaturas que podem ser completamente abstratas, absolutamente verossimilhantes, misturas biologicamente plausíveis, mesclas de diferentes animais ou mutantes perfeitamente saídos de um filme de ficção científica.
“Trata-se de uma obra sobre a aceitação”, disse Marcello, que espera que a exposição atraia o público infantil. “As crianças possuem menos pré-conceitos”.
O CCBB no Rio funciona de quarta a segunda, das 9h às 21h