Em tempos de crises corporativas – como as que atingiram Enron, Lehman Brothers e, mais recentemente, a Volkswagen –, vale a pena olhar para as marcas e ver além das mutantes cifras astronômicas alardeadas pela imprensa, e que em pouco ou nada se relacionam com os números expressos nos balanços das companhias.
Marcas têm cerca de um século e meio de existência, mas a arte da contabilidade vai chegando aos setecentos anos de idade… Logo, é urgente compatibilizar o que vai na cabeça de mercadólogos e financistas numa mesma empresa, embora estes se digladiem eternamente… uns a gastar e outros a repetir a onipresente ladainha da economia: – Mais com menos!
Acontece que até a metade do século XX ninguém se dava conta de que marcas são ativos… Do tipo intangível, sim, mas ativos que, como quaisquer outros (imóveis, maquinaria, equipamentos), fazem parte do patrimônio das organizações, merecendo conhecimento e controle acurados, além de registro e reconhecimento fidedignos.
Primeiramente, é importante mencionar que a mensuração do valor de uma marca, em linhas gerais, pode ser: (1) qualitativa, em que se avaliam, por exemplo, as medidas de lealdade à marca, qualidade percebida, associações, conhecimento e comportamento de mercado – um conjunto de fatores que denominamos ‘brand equity’; e (2) quantitativa, em que se atribui um valor monetário à marca, seja para uma avaliação técnica (com foco financeiro baseado em um momento específico) ou gerencial (foco estratégico baseado em um modelo dinâmico, de geração futura de lucros) – que denominamos ‘brand value’.
Em segundo lugar, destaque-se, uma valoração monetária da marca que pode ser feita com diversos propósitos, tais como: venda do ativo, licenciamento de uso, planejamento orçamentário ou uma decisão de investimento.
Seja qual for a perspectiva da análise, qualitativa ou quantitativa, a maior dificuldade para tal mensuração está na subjetividade de quem avalia e na indefinição de um conjunto ótimo de variáveis intervenientes. Outro fator a ser considerado é a diversidade de metodologias existentes. Simplesmente não temos consenso sobre a abordagem e a métrica a serem utilizadas na avaliação de marcas.
Em mercados não competitivos, monopolistas ou ‘comoditizados’, a marca é apenas um símbolo nominativo e identificador da origem do bem, apresentando um valor econômico muito baixo – o mais importante para o consumidor é o desempenho do produto em relação à sua funcionalidade, seu preço e sua utilidade. Nesse ambiente, as empresas não costumam investir muito na consolidação da sua marca, pois o foco estratégico, em geral, é o quantitativo de produção, objetivando atingir o maior nível possível de economia de escala para minimização de custos.
Já em mercados competitivos, torna-se necessária a incorporação de uma nova competência: o marketing de produtos e serviços, representando a capacidade de convencer os consumidores a comprar a sua marca e não a da concorrência.
Os mercados globalizados, mais amadurecidos e com consumidores altamente exigentes e altamente competitivos, obrigam as empresas a, primeiramente, conhecer o seu público-alvo em profundidade e, em seguida, a estabelecer um relacionamento duradouro com esse público. Para isso, a empresa precisa criar um canal de comunicação consistente e eficaz que represente não apenas o seu produto, mas também a sua cultura, seus valores e propósitos, e esse canal é a marca. Aqui, a marca se torna a interface, o elemento de união da empresa com a sociedade, ganhando status de ativo estratégico de suma importância para a sustentabilidade da organização e, portanto, demandando todo um trabalho específico de gestão de marca.
Outra questão importante é que o Brasil está passando por uma modificação para se adaptar à normatização internacional de ‘International Finance Reporting Standards’ (IFRS). Diferentemente do tradicional sistema contábil brasileiro, baseado em regras bem definidas (‘rules-based’), e fortemente influenciado pelo ambiente fiscal, as normas internacionais fundamentam-se em princípios conceituais (‘principles-based’) e apresentam ênfase na substância econômica das operações e no exercício de julgamento dos profissionais da área contábil. Sob esta nova perspectiva, mais subjetiva e discricionária, essas normas privilegiam a essência sobre a forma a fim de que as informações contábeis representem adequadamente os fatos e a real posição financeira da entidade, e forneçam uma visão justa e verdadeira (‘true and fair view’) da organização.
Há, hoje, pelo menos três grandes consultorias internacionais envolvidas no ‘negócio’ da avaliação de marcas: Interbrand, Brand Finance e Millward Brown. Observe-se no quadro, ao final, que o valor total das 31 marcas estudadas no livro “Marca: do Marketing ao Balanço Financeiro”, varia de uma para outra… e de maneira relevante.
Diante da riqueza do material obtido pela pesquisa – tocada no Mestrado em Ciências Contábeis da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ – decidiu-se que o tema poderia render mais, aproximando a visão contábil-financeira à de marketing, onde se desenvolve a disciplina “branding” – de gestão de marcas. E foi criado não só um livro, ‘Marca: do marketing ao balanço financeiro’, mas um projeto de pesquisa permanente – no qual outros mestrandos possam participar – e um site com material relacionado ao tema (http://www.powerbranding.com.br/), na internet.
Há certa carência de publicações brasileiras sobre o assunto, e como também havia o ineditismo do ‘rebranding case’ (caso de mudança de marca – e um dos mais bem sucedidos dos últimos tempos) Arthur Andersen para Accenture, imaginou-se que contar aquela história, da qual um dos autores foi participante como ‘brand champion’ no Brasil, seria uma boa oportunidade de contribuir para os desenvolvimento das discussões na área.
É aspecto pioneiro, e muito oportuno discutir este tema, o qual é desafio em todo o mundo, ao mesmo tempo, hoje: como aproximar valor de mercado (aquele percebido) do valor que efetivamente a empresa pode lançar em seu balanço financeiro. Como se sabe, a contabilidade deve retratar fielmente – em números – as operações de um dado negócio. Quando o discurso sobre “valor” alcança cifras gigantescas, é preciso ligar a luz amarela nas decisões financeiras em operações de fusões e aquisições de empresas, por exemplo. Neste assunto, vale a desconfiança popular sobre se uma mercadoria ‘vale mesmo o tanto quanto pesa’… ou alardeia que pesa.
Frequentemente perguntam-nos se hoje em dia é possível uma empresa estar consolidada no mercado sem um trabalho especial envolvendo sua marca… A resposta é não. ‘Branding’, atualmente, como disciplina de negócios, praticamente substituiu o ‘marketing’. É impossível começar um negócio sem marca, ou começar com um conceito errado de marca. Corrigir depois é um desastre. Marca tem que ser pensada no início, assim como se pensa em sede, fontes de financiamento e de suprimento, gestão de pessoas. A preocupação com a marca está presente desde o nascimento do plano de negócios.
Algumas empresas produzem uma divulgação institucional que às vezes recai no ‘politicamente correto’, como se sentissem obrigadas a se associar a questões como a proteção ao meio ambiente, ao combate à miséria ou na luta contra doenças. Até mesmo as multinacionais do cigarro investem em pesquisas que demonstrem os benefícios da indústria do fumo. Por outro lado, é muito comum a desconfiança do consumidor em relação a essas ações, descrédito que aumenta quando os serviços prestados pelas empresas ignoram os direitos/anseios básicos do consumidor. O resultado disso é uma distância entre como um cliente vê uma determinada marca e a imagem que ela pretende transmitir.
E este fenômeno do ‘politicamente correto’ é global, assim como as marcas. Nos países menos desenvolvidos há menos compromisso entre as promessas e as ‘entregas’ feitas pelas empresas. O caminho para encurtar a distância entre o que se diz e o que se faz é mais educação da população para a sedução da mídia e para o chamamento do consumo. Consumidores-cidadãos costumam ser mais exigentes. E as marcas de produtos e de empresas – que também querem ter cidadania empresarial pela conduta ética e responsabilidade socioambiental que adotam – precisam ser resultado de evolução de práticas empresarias mais justas, menos poluentes e mais transparentes. E não mera propaganda… do tipo enganosa.
Em geral, em países mais desenvolvidos, a sociedade é mais culta e exigente e, por isso, menos tolerante a dissonâncias entre a imagem projetada e a prática das organizações. Nesse caso, as empresas não apenas precisam mostrar uma imagem, mas, de fato, provar que suas ações são compatíveis com aquilo que comunicam a seus públicos de interesse (ditos ‘stakeholders’). Isto é, têm que provar que há coerência e alinhamento entre o seu discurso e a sua prática, ou melhor, entre o que marca comunica, o que a empresa entrega e o que o consumidor percebe.
Já nos países menos desenvolvidos, onde os mercados por vezes margeiam o monopólio e a ‘comoditização’, esse alinhamento costuma ser menos frequente. O problema é que isso, infelizmente, nem sempre representa prejuízo econômico para as empresas que operam nesses mercados. Neste ambiente, é triste constatar, tanto faz o produto, tanto faz a empresa, e tanto faz – portanto – a marca.
QUADRO: A discrepância de diferentes avaliadores salta aos olhos. Veja quadro a seguir:
Sobre os autores:
Mariza Branco Rodrigo de Freitas – Mestre em Ciências Contábeis pela UERJ, com especializações em Administração de Empresas e Docência do Ensino Superior pela FGV. Graduada em Engenharia Civil pela UERJ, tem experiência profissional nas áreas de gestão administrativa e financeira de serviços, gerenciamento de projetos, gestão pela qualidade e planejamento e controle orçamentário em empresas de grande porte, públicas e privadas. Desde 2006, é professora tutora nos cursos de pós-graduação da FGV Online. Em 2010 e 2011, foi docente na graduação da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ e Faculdade Internacional Signorelli. Atualmente, ocupa o cargo de analista no Banco Central do Brasil.
Manoel Marcondes Machado Neto – é doutor em Ciências da Comunicação pela USP, pesquisador e professor associado da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ. É cofundador do Observatório da Comunicação Institucional e líder do grupo de pesquisa “Gestão e Marketing na Cultura” junto ao CNPq. É autor de quatro títulos de referência na área comunicacional e coautor de outros três títulos. Secretário-geral do Conrerp1 entre 2010 e 2012, foi eleito “relações-públicas do ano” em 2013. Edita o portal www.marketing-e-cultura.com.br