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SOBRE SETE ONDAS VERDES ESPUMANTES - Revista Publicittà SOBRE SETE ONDAS VERDES ESPUMANTES - Revista Publicittà

SOBRE SETE ONDAS VERDES ESPUMANTES

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Sobre sete ondas verdes espumantes, um roadmovie poético, construído através da vida e obra do escritor, poeta e dramaturgo Caio Fernando Abreu, estreia neste sábado, dia 7, às 20h, na programação do canal Prime Box Brazil depois de uma bem sucedida trajetória nas salas de cinema e nos festivais dos quais participou. No filme, Santiago, Amsterdã, Berlim, Colônia, Paris, Londres, Porto Alegre e São Paulo – cidades que testemunharam a vida breve de Caio Fernando Abreu (1948-1996) – são revisitadas e redescobertas. Com 74 minutos, o roadmovie dirigido por Bruno Polidoro e Cacá Nazario mostra fragmentos das obras do artista, além das lembranças de amigos, como Maria Adelaide Amaral, Grace Gianoukas e Adriana Calcanhoto. Ao receber esse release me deu vontade de viajar por aí, mas o mais significativo foi trazer docemente a lembrança de Caio com quem compartilhei páginas de resenhas no caderno Ideias, do Jornal do Brasil, a mais dramática de todas foi a de registrar o lançamento de seu livro póstumo no espaço onde gostava de escrever. A vida são mesmos ondas, sete ondas verdes espumantes que invadem hoje, 6, o meu computador e as teclas ficam saudosas de tempos passados, viagens e outras rotas a seguir. Fica a homenagem e aos leitores compartilho o texto publicado originalmente no Jornal do Brasil nos idos de 1996, o ano em que Caio partiu para o Reino da Pasárgada de que fala Manuel Bandeira.

 

Um último sopro de vida

Por Carlos Franco*

Nas novelas e contos reunidos em dois últimos livros, Caio Fernando Abreu, morto há quatro meses, deixa como herança a crônica de um escritor à procura de si mesmo

O escritor gaúcho Caio Fernando Abreu lutou até o último segundo contra a Aids, que o abateu às 13h10 do dia 25 de fevereiro de 1996, um domingo, aos 48 anos. “Quero ir para casa. Pai, me leva para casa”, foi a sua última frase e seu último pedido. Também a que melhor sintetiza a busca desesperada de Caio por Caio, presente no livro póstumo Estranhos estrangeiros, que a Companhia das Letras acaba de editar, republicando na obra a novela Pela noite, que integrava originalmente o livro O triângulo das águas (Nova Fronteira, 1983; Siciliano, 1991).

A inclusão desta novela, esclarece o editor Luiz Schwarcz em seu prefácio, atende ao pedido feito por Caio em um dos últimos postais que enviou da praia do Rosa, em Santa Catarina, onde se refugiou, em janeiro, para concluir Estranhos estrangeiros. O conto London, London, presente no livro Pedras de Calcutá (Alfa-Omega, 1977) também está de volta neste livro póstumo. Caio não esconde na última obra o desespero de viver e as influências. Clarice Lispector, a quem o escritor recorreu às cartas e à obra para revelar que tinha Aids e manter-se firme, emerge nas imagens dos contos e na fusão de palavras por hífen como não-dor. Assim como Caio, a morte anunciada de Clarice, por câncer, conduziu-a à uma busca pela vida, pelas imagens e também pela procura do Eu.

“Desvio o rosto, não devo me deter tempo demais em meus próprios olhos. Aumento o som da canção, olho para fora quando o trem dispara sobre os trilhos. Preciso ficar sempre atento. Ainda não anoiteceu, e alguns dizem que há castelos pelo caminho”, se convida na novela Bem longe de Marienbad, inédita no Brasil, mas publicada na França, e que Caio incluiu neste último livro.

Nesta novela, o balanço da vida se faz presente a começar pelas referências que sempre acompanharam o trabalho de Caio. Neste caso, o filme de Alain Resnais, O ano passado em Marienbad, em que o verdadeiro e falso, a ilusão e a realidade se confundem. A Marienbad de Resnais é similar a de Caio, o olhar que se vê permite acreditar nos castelos dos paraísos, mesmo que de cartolinas que se dispersam com o vento.Mas Caio se recusa a dispersar. Sua busca nesta novela é intensa. Um homem procura outro, na verdade ele mesmo. Percorrendo ruas e cheiros, se deleitando com os prazeres simples e os gostos.

Como os elefantes que voltam às origens para morrer, Caio volta para ser um estranho estrangeiro de si mesmo. Mas a sua angústia não é mórbida como a do crítico de cinema Jean Claude Bernadet, que no livro A doença, também da Companhia das Letras, disseca a dor do corpo diante da Aids. Caio disseca a dor da perda anunciada da vida e vive, transpira e procura. Bernadet assume a morte, Caio luta para assumir a vida. O “Sopro de vida” de Caio, é similar ao de Clarice, que elegeu o autor _ seu consciente _ e Ângela Praline _ seu inconsciente _ para travar a batalha final entre vida e morte. Caio elege a si mesmo, suas referências e o arcabouço intelectual, o que aprendeu durante 48 anos, na ânsia de repassar para os outros os monstros e as imagens que ainda jorravam em suas veias, imunes ao vírus da Aids. E Caio gostava de dizer para quem estivesse por perto que era um retrato vivo de todos os clichês do nosso tempo. “Sou uma pessoa clichê. Nos anos 50, andei de motocicleta e dancei rock. Nos anos 60, fui preso como comunista. Depois, virei hippie e experimentei todas as drogas. Passei por uma fase punk e outra dance. Não há nenhuma experiência clichê de minha geração que eu não tenha vivido. O HIV é simplesmente a face da minha morte”.

Caio fez o testamento de sua geração

A face da morte, também para Caio, não é indolor, mas pode ser exercício de vida. Tanto que é em Frida Kahlo, a artista plástica mexicana tantas vezes retalhada em mesas cirúrgicas para manter-se de pé, que este gaúcho vai buscar a imagem para abrir o último conto que escreveu. “Lo que importa es la no-ilusión. La mañana nace”. Caio não tinha ilusões quanto à sua condição de paciente terminal, mas transformava suas manhãs em arte.

“Fica agora assim por favor parada contra esta janela de vidro que a luz do entardecer está batendo nos seus cabelos e eu quero guardar para sempre na memória esta imagem de você assim tão linda”. Imagens. São as imagens e os sons o que prevalece em Caio. “A chuva é tão fina que nem chega a molhar, apenas gela. Tenho que ir em frente ao encontro de K, nesta ou em qualquer outra cidade do Norte ou do Sul, da Europa ou da América. Histórias como esta costumam acabar bem e, mesmo que não se viva feliz para sempre _ afinal, não se pode ter tudo _, deve haver pelo menos algum lugar quente e seco para abrigar o final da noite”.

O tempo de Caio não foi suficiente para encontrar K em sua plenitude, mas encontrou o abrigo quente e seco ao lado dos pais Zael e Nair, dos irmãos Luís Felipe, Cláudia, Márcia e José Cláudio. K como a Ângela de Clarice são as imagens que fluem e esvoaçam borboleteando, e as quais seus autores gostariam de ser lembrados, por isso perseguiram nesta busca diante do imediatismo do corte, da cisão, de-cisão entre a vida e a morte.O testamento de Caio é isso. Expressa os clichês que vivenciou todos, e intensamente. Sua busca contínua por K e o gosto requintado pelos anjos travessos como Hilda Hilst, na casa de quem se refugiou por um tempo, também à procura de K. Ao encontro de um Caio por completo, metade homem, metade mulher, e de corpo inteiro, um gênero humano que fosse capaz de carregar todas as alegrias e as dores do mundo. Travessamente, suavemente a ponto de ser paixão.

Do menino que com 6 anos começou a escrever e, aos 16 anos, publicou em revista de circulação nacional, Cláudia, o conto O príncipe sapo, ao livro Morangos mofados, de 1982, restou na obra póstuma de Caio exatamente o amor que os colecionadores de história têm pelas suas memórias.Um amor que transcende e faz com que o incompleto Estranhos estrangeiros, que não chega a ser sua obra-prima, mas o esboço dela, seja aceito como um arremate deste testemunho de uma geração que queria ganhar o mundo e dividir seu conhecimento, suas experiências com o objetivo de quebrar as barreiras do preconceito e do medo. Do obscurantismo.

Como o mago das cartas de Tarô, a alquimia a que recorre Caio em seu momento de adeus a K é travessa. Deixa transparecer que a sua busca não terminou e ainda há castelos lá fora, que outros irão de ver com seu olhar.E para não deixar dúvidas a Companhia das Letras reedita com o lançamento de Estranhos estrangeiros, As pedras de Calcutá, onde expõe o horror da perseguição, dos que se sentem perseguidos, mas deixam se antever a liberdade. O voo das borboletas que quase estilhaçam as asas como as cartolinas que dão vida a Marienbad de Resnais e os castelos de Caio.”Preciso ficar sempre atento. Ainda não anoiteceu, e alguns dizem que há castelos pelo caminho”, despede-se Caio para seguir sua viagem, deixando sobre a mesa o roteiro do encontro com K. Na eternidade. Nas manhãs de que falava e pintava Frida Kahlo.

*Publicado em 31/08/1996, págs. 1 e 2 do Caderno Idéias do JORNAL DO BRASIL 

 

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