Por Heloísa Antônia Franco
Xingu Cariri Caruaru Carioca, filme da diretora Elizabeth Versiani Formaggini, com argumento de Carlos Malta e produção da 4Ventos, é de uma beleza no ver, no olhar a tela com tantas geo-camadas sonoras, visuais, olfativas, táteis que não temos vontade de sair da tela. Adentramos pelo fluxo sanguíneo de nossa ancestralidade musical e este se esparrama por nossos poros.
É o cinema das sensações. Estamos mergulhados nas águas e nos pores do sol multicoloridos, que nos enchem a alma de alegria e contentamento. E pensar que os povos aborígenes e do agreste brasileiro têm sofrido há milhares de anos tanta violência de toda espécie para que esta riqueza ancestral seja exterminada e apagada da história universal.
Os índios são a terra, como diz Eduardo Viveiros de Castro. “A terra é o corpo dos índios e eles são parte do corpo da terra… não se reconhecem no Estado Brasileiro, não têm a vontade desta pátria, porque são a terra”, e por isto Eduardo escreve neste belo texto “Os Involuntários da Pátria” que o povo só existe no plural, “há uma multiplicidade singular que habita a terra pluralmente, povoada de povos”.
Separar o índio da terra é separar as forças da natureza que habitam os indígenas, sua força cósmica em plenitude de afetações sendo expressas na musicalidade às quais são a matéria de sua potência e de sua grandeza. Ele não quer ser do Estado ele quer ser da terra que já é sua, e que é ele. Como diz Nietzsche, o ser humano é uma vida que quer a si mesma e procura ampliar as suas condições de expandir-se consumindo a realidade ao seu redor. Deixem os índios em sua vontade de potência com toda sua força de expansão. Imploramos!!!
Na belíssima fotografia que espelha os povos das raízes do agreste há vida em movimento sonoro. A história dos instrumentos musicais, da musicalidade gravada no corpo como livro de poesia cravado na delicadeza dos corpos móveis, ágeis e fortes se constituindo em um só corpo: o corpo sem órgãos. Um corpo coletivo, plural e a língua é a mãe-memória musical que não se individualiza, se coletiviza e quer se espalhar para preservar a riqueza destas memórias vivas.
O filme nos convoca a esta viagem atemporal da ancestralidade sonora. Filme como devir-música, devir natureza. Devir água-sonora.
Os índios devêm água. Não há distinção. “O peixe é o dono da música sagrada…”. É o sagrado dos cantos e está no sagrado das águas como solta a voz os índios do agreste.
O encontro das culturas populares e a cultura pop que vai constituindo nosso patrimônio cultural das raízes das flautas e suas conexões com o que produz a música em nós de forma atemporal através do sopro que vem das flautas no Alto Xingu, do pife tradicional de Pernambuco, Ceará e Paraíba, o carris paraibano com linda homenagem a dona Zabé da Loca desaguando no Rio de Janeiro e tantos músicos que nos trouxeram o mais sensível de nossa musicalidade num encontro esplendoroso com Carlos Malta.
Parabéns a todos vocês que nos possibilitaram viver e sentir o melhor da generosa música.